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segunda-feira, 19 de setembro de 2011

PEREIRINHA, VELHO COMPANHEIRO

Há muitos anos não tive mais contato com Pereirinha. A última vez que "trocamos um dedinho de prosa" foi em meados da década de noventa em Araçuaí no Vale do Jequitinhonha. Estávamos ali na praça da igreja matriz, eu, Pereirinha e meu bom amigo e companheiro Tute, ex. vereador em Araçuaí.
No nosso último encontro, Pereirinha ou Stalin Lenin Pereira não havia mudado muito fisicamente. Continuava com os mesmos cabelos longos de outrora, o mesmo óculos tipo Lennon, a inseparável calça jeans acompanhada da jaqueta e um imenso cordão acompanhado de uma estrela. Achei até que naquele dia o Pereirinha parecia mais uma mistura de capitalismo e socialismo.
As tendências ao socialismo que se fortaleceram na juventude não ofuscavam sua vida na pacata Araçuai. Até mesmo o velho e bondoso padre Jacó tinha em Pereirinha um amigo fraterno, ainda que não concordasse com suas idéias totalitárias e com o nome Stalin Lenin.
Padre Jacó sempre dizia que Pereirinha deveria ter sido batizado com o nome de Oscar em homenagem ao arquiteto que planejou Brasília e planejou outros monumentos pelo Brasil. Padre Jacó dizia: " Aquele Oscar comunista não fede e nem cheira".
Stalin Lenin ou Pereirinha ganhou o nome, segundo comentários, de um Ex. ferroviário e ex. preso político que trabalhava na antiga estrada de ferro Bahia-Minas. Diziam que os pais de Pereirinha eram analfabetos e foram ao cartório acompanhados do Ex. ferroviário que era imbuído de vasta cultura, sugerindo o nome de Stalin Lenin para a criança.
Alheio a tudo, Pereirinha viveu sua infância como toda criança e já na juventude foi estudar no antigo Colégio São José em Teófilo Otoni e que era dirigido por padres. Ali sim, Pereirinha começou a entender o questionamento do antigo padre Jacó a respeito do seu nome. Ali, alguns padres tinham enorme carinho por Pereirinha e "detestavam" ou evitavam falar em Stalin Lenin.


Diziam até que o diretor Frei Conrado havia "baixado" um decreto para que até mesmo na hora da chamada pelos professores, fosse evitado chamar o nome de Stalin Lenin e sim "Sr. Pereirinha".


As contradições levaram Pereirinha ao aprofundamento da doutrina socialista, tornando-se um mestre nos ensinamentos e gerando um desepero total aos padres e á ditadura militar. Nem mesmo as marchas com Deus pela liberdade e as orações com o terço em família levaram Pereirinha a mudar de idéia. Alegria mesmo foi para o ex. ferroviário e ex. preso político, seu padrinho que havia lhe dado o nome.


Assim, Pereirinha após concluir o antigo curso científico áquela época, enganjou-se na luta contra a ditadura militar e o regime de opressão. Aprendeu o ofício de consertar armas de fogo e tornou-se amigo de um antigo ex. capitão do exército que anos mais tarde morreria assassinado no sertão da Bahia.


Mais tarde, Pereirinha foi perseguido, preso, torturado e exilado. Voltou ao Brasil na década de oitenta, indo morar em Araçuaí no Vale do Jequitinhonha, onde veio a falecer. Dizem que no seu enterro havia uma bandeira do Partido Comunista e um imenso cordão com uma velha estrela. Próximo ao velho camarada e amigo morto, Eustáquio Azevedo(Tute), ex. vereador deixava correr pelo rosto uma lágrima de saudade...



Autor: Walter Teófilo Rocha Garrocho(Téo Garrocho). Texto dedicado ao companheiro Tota de Araçuai, Perseguido, preso e torturado pela ditadura militar.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

PROFESSOR POR AMOR EM MINAS GERAIS

Marli nasceu na região do Vale do Jequitinhonha. Uma região considerada pela O.N.U como uma das mais pobres do mundo. Marli, apesar da infância sofrida, sobreviveu á seca, ás limitações da alimentação dígna e ao descaso dos poderes públicos em relação a ela, seu torrão natal e sua gente sofrida.

Naquele tempo, Marli tinha até o apelido de "Marli canela seca" devido aos vários quilômetros que percorria para estudar na única escola pública "daquele fim de mundo". Diziam até que "Judas perdeu as botas ali e nunca mais voltou para buscá-las."

Marli não desistiu. Ainda que as canelas continuassem muito finas e a água fosse de bica, Marli estudou ali até completar o ensino fundamental. Mais tarde, mudou-se para Teófilo Otoni e formou-se em magistério no antigo Colégio Normal São Francisco. Áquela época, estava ápta a lecionar. O diploma de professora dos seus sonhos tornou-se realidade.

Marli voltou para sua terra na esperança de repassar ás crianças, aos jovens e ao povo da sua terra os ensinamentos que havia adquirido. Voltou para sua terra pensando na letra do hino francês que diz em dos seus versos: "Vamos filhos da pátria, o dia de glória chegou."

Nada, pensava, nada a impediria de levar cultura a seu povo. Nada seria obstáculo para a recém formada professora Marli, outrora conhecida por Marli "canela seca".

O tempo passou como tudo passa. O tempo passou e junto com ele passaram os sonhos de Marli, cuja vida de professora era na verdade um imenso sacrifício, além do mísero salário. O rosto de Marli virou um "maracujá seco" repleto de rugas. Suas pernas finas de tantas andanças pelo Vale do Jequitinhonha pareciam mais com as pernas da Olivia Palito, uma personagem de desenho animado do império de Tio Sam que ao longo de quinhentos anos vem sugando nas tetas do povo brasileiro sob a complacência de políticos acostumados a não largar as tetas da corrupção.

Assim, Marli era o retrato fiel da maioria dos professores na terra onde numa certa época fizeram uma bandeira que ainda diz: "Liberdade ainda que tardia". Assim, como milhares de professores da tal terra da liberdade, Marli começou a questionar se valia a pena ser professor em Minas Gerais.

Marli, entre uma lágrima e outra a rolar sobre o "Maracujá Seco" refletia e dizia para si mesma: "Ser professora em Minas Gerais, só se for por amor."


Autor: Walter Teófilo Rocha Garrocho(Téo Garrocho). Texto dedicado á minha antiga professora de História em Teófilo Otoni, Maria José Haueisen Freire.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

OS BICHOS NÃO FALAM

Magnólia trabalhou longos anos na nobre arte do ensino. Magnólia foi professora e com o passar do tempo, assim como todos os professores que não são valorizados no Brasil, ficou sem motivação na profissão e se fechou. Não mais saía de casa, não dava notícias, andava vagando do quarto para a sala e da sala para a cozinha.

Magnólia sofria e fazia sofrer a todos que lhe amavam. Não tinha respostas para os questionamentos da família e da sociedade. Olhando o horizonte sentia-se impotente e olhando as estrelas sentia que elas eram para si o único acalanto das noites frias de Barbacena.

E assim os "amigos e amigas" de Magnólia, em sua maioria, foram se afastando. Comentavam " a boca pequena" que o pai de Magnólia também havia passado por momentos de loucura. Portanto, Magnólia poderia estar trilhando o mesmo caminho do saudoso genitor.

As suspeitas aumentaram quando ela passou a andar com Zé Bufão, um excluido que vivia de pedir ajuda aqui e acolá. Guardava os restos de comida angariados que eram divididos com diversos cachorros sujos e abandonados como ele.

Então Magnólia passou a recolher junto com Zé Bufão os cachorros abandonados e os levava para sua casa. No começo eram poucos e foram aumentando com o passar do tempo que ela e Zé Bufão só tinham para os cachorros.

Assim como Magnólia, a casa não era a mesma. Houve uma transformação. Aquela casa onde Magnólia vivia deprimida passou a ser uma casa diferente. Um "diferente" que incomodava os tais "amigos e amigas" de outrora que tinham abandonado Magnólia nos momentos mais difíceis. A casa era diferente proque Magnólia havia recuperado a alegria e motivação que voltaram com chegada de "motivos diferentes" da mesmice da vida de muitos "amigos e amigas".

Magnólia voltou a sorrir, Magnólia já não olhava o horizonte sem esperança, Magnólia até imaginava que as estrelas acalantadoras das noites frias de Barbacena eram na verdade seus inúmeros cachorrinhos que no seu imaginário diziam:" As estrelas brilham Magnólia. Enquanto elas brilharem, haverá esperança na vida. São o único ponto inatingível que os homens ainda não conseguiram poluir."

Sem entender muito os mistérios da vida, Zé Bufão entre um afago e outro nos cachorrinhos, pergunta a Magnólia se ela está feliz. A professora Magnólia, "dentro da noite mais fria" fixa os olhos nas estrelas e diz: " Sabe Zé, estou feliz. Os bichos não falam."



Autor:Walter Teófilo Rocha Garrocho(Téo Garrocho). Texto dedicado aos meus filhos Thiago, Charles e Gustavo e aos professores da minha pátria Brasil.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

WALTINHO, O POLÊMICO

Aqui em Teófilo Otoni está fazendo um calor de fazer inveja ao inferno e ao mais saltitante dos capetas que, para alguns, pode ser o Demo, Rabudo, Malígno ou Chifrudo. Ainda prefiro o termo Capeta que me faz lembrar do Waltinho, meu amigo contestador de juventude.

Se chovia, dizia ele que foram um ralos pingos. Se esquentava demais, dizia que nem tanto, se fazia frio ele andava sem camisa pelo bairro. Decididamente era contrário a tudo.

Waltinho era filho de um ex. preso político das décadas de sessenta e setenta. Dizem que herdou do pai as contestações e a vida polêmica. Junto com o pai combateu a ditadura militar e segundo ele mesmo afirmava: "Nunca me dobrei aos poderosos e bajuladores do regime de opressão".

Há mais de quarenta anos não via o Waltinho. Pensava até que o mesmo já havia morrido ou sido morto nos porões da tortura do regime militar. Porões como os de hoje no precário sistema carcerário brasileiro onde "filho geme e mãe não escuta".

Para minha surpresa e alegria encontrei o Waltinho "polêmico" ali na subida do morro do Bispo próximo ao antigo Armazem Friaça e ao lado da casa do saudoso Sr. Joaquim Duarte, criador e matador de porcos, respeitado àquela época.

Waltinho diz que está "beirando" os sessenta anos. Os olhos triste, cabelos ralos e grisálhos dão-lhe aparência de mais idade. Segundo ele ainda não tem netos. Tem três filhos e diz que "casou velho" após sentir a queda do regime militar. Nervoso e gesticulando muito, Waltinho grita em alto e bom som: "Ditadura militar e torturadores nunca mais nesta pátria".

Pergunto ao Waltinho sua opinião sobre o Brasil atual, sobre a politica brasileira e seus políticos, sobre o mundo, sobre a juventude atual. Sem muito alarde, Waltinho mansamente me diz: " Olha Téo, assim como você, sou um homem decepcionado. Ainda que com alguns avanços, ainda somos uma nação pobre, submissa. Uma nação ainda presa ao império".

A gente se despede e Waltinho assobia uma música que me faz correr lágrimas: "...ando devagar porque já tive pressa..."


Autor: Walter Teófilo Rocha Garrocho(Téo Garrocho)-Texto dedicado a todos aqueles que ainda sonham com uma pátria mais justa. igualitária e fraterna.

VELHOS AMIGOS DE TEÓFILO OTONI

Após alguns anos retorno ao Bairro onde nasci. Mudou tudo e praticamente não conheço moradores. Penso que o "velho" agora sou eu. Os mais antigos moradores partiram para outras esferas.

Ainda não assimilei a terceira idade e continuo achando que sou um jovem de outrora. Assim, perdido nos meus pensamentos juvenís, fico a procurar meus antigos companheiros que jamais esqueci.

Outro dia encontrei o Perobão. Segundo ele, os velhos companheiros estão em sua maioria vivos. Perobão ensinou-me a encontrá-los e o seu ensinamento fez-me acreditar que somos eternos aprendizes.

Perobão pediu-me que com toda franqueza eu dissesse como ele estava fisicamente. Tentei dizer que ele estava bem, novo e que o tempo não havia deixado-o velho e com rugas.

Após minhas palavras de elogios, Perobão argumentou que eu deveria ter sido político. Na concepção dele, "Político mente com cara lavada" e eu não estava sendo sincero.

Realmente, Perobão estava certo. Eu deveria ter falado a verdade e dissesse que estava velho, feio e barrigudo. Parecia mais um "caco velho de telha cumbuca".

Assim, Perobão ensinou-me a encontrar meus velhos amigos dos anos setenta. Encontrei-os após examinar os calvos, os de cabelos grisalhos e a maioria barrigudos.

Tomando uma Mate-Cola e comendo um "Fofa-cú" no Mercado Municipal com Perobão, perguntei-lhe onde estavam aqueles velhos que tinham banca na feira. Educadamente e ao pé do ouvido ele disse: "Fala baixo, os velhos agora somos nós".


Autor: Walter Teófilo Rocha Garrocho(Téo Garrocho)- Texto em homenagem aos velhos companheiros dos anos setenta em Teófilo Otoni-