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quinta-feira, 29 de julho de 2010

A PRIMEIRA VISITA AO DOPS DE MINAS GERAIS EM 1970

Eu era rapazinho, com meus 17 anos, e pela primeira vez fui conhecer Belo Horizonte, a capital. Penso que, para qualquer jovem do interior em 1970, conhecer Belo Horizonte seria um sonho e uma alegria muito grande. Minha mente era confusa, os pensamentos se misturavam, e eu não sabia se chorava ou sorria.
Após tanto tempo, eu ia visitar meu pai na prisão mais temida daquela época, o DOPS. Meu pai havia sido transferido da prisão do exército em Juiz de Fora para aquela prisão.
E lá íamos nós, eu e minha mãe, andando por uma avenida imensa de nome Afonso Pena. Parecia que dava calo no pé de tanto andar. A avenida era muito bonita, espaçosa, muitas árvores e muito movimento. Aquela avenida, na minha imaginação, tinha cheiro de flor e saudade.
E meu pai Tim Garrocho estava preso ali no DOPS, condenado a dois anos de prisão. Condenado por pensar em construir uma pátria mais justa, humana, fraterna e mais igualitária para todos os brasileiros. Condenado por tentar extirpar a imensa chaga social que isolava a maioria do povo brasileiro, impedindo-o de ter seus direitos básicos de cidadania respeitados.
Meu pai Tim Garrocho, ali preso, engrandecia o ego de uma grande parte da elite predominante e egoísta que, desprovida de qualquer engrandecimento espiritual, sempre viveu ( e ainda vive) às custas da miséria, em todos os sentidos, do povo brasileiro.
Meu pai preso representava o calar de milhares de vozes dos Vales do Mucuri, Jequitinhonha e São Mateus. Regiões pobres onde, durante séculos, o povo viveu ( e ainda vive) das migalhas do banquetes dos poderosos, enquanto as benesses ficavam e ainda ficam sempre com os apadrinhados do poder.
Meu pai preso representava um alívio para os bajuladores da ditadura militar que, pregando sistematicamente uma cartilha anticomunista nas escolas, nas igrejas, nas cidades, vilas e campos, usavam e abusavam do poder para iludir a massa popular, em sua maioria, desprovida de cultura.
Meu pai preso significava que continuariam as amarras, os currais eleitoreiros. O "toma lá e dá cá" iria perpetuar sempre nos Vales dos Mucuri, Jequitinhonha e São Mateus.
"Prende-se o homem, tortura-se o homem; mas não calam e retêm suas idéias de libertação de um povo". Estas foram as palavras mais bonitas e profundas que escutei do meu pai Tim Garrocho, na minha primeira visita ao DOPS em 1970.



Autor: Walter Teófilo Rocha Garrocho.( Téo Garrocho). Membro correspondente da Academia de Letras de Teófilo Otoni-MG, Vale do Mucuri.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

VELÓRIO NO VALE DO MUCURI

Há muito tempo não compareço a velórios. Lembranças da infância me perseguem quando lembro dos velórios no Vale do Mucuri onde nasci e ainda tenho raízes. A primeira lembrança era aquela "obrigação" de comparecer junto com meus pais. Sempre fui e sou avesso a obrigações das quais não gosto. Se fosse lei, respeitaria. Lei não se discute. Cumpre-se. Não foi a toa que sempre lutei e luto pelas liberdades individuais.
Tinha de tudo naqueles velórios do Vale do Mucuri. Fogueira, pinga da roça, comentários sobre a vida terrena do falecido, reflexões em frente ao caixão, reza de terço e os conhecidos pinguços da região sempre na espera da saidera.
Naquele tempo, o cortejo fúnebre em direção ao cemitério era feito a pé e silêncio profundo. Época de chapéus que eram levados na mão em sinal de respeito. Nós, os meninos, levávamos as flores que eram doadas por todos aqueles que tinham quintais floridos.
Curioso como sempre, reparava que as alças do caixão eram disputadas por alguns homens de paletó e gravata. Meu pai dizia que eram os "coroneis" da região, ou seja, os homens que mandavam e ditavam as ordens ( ou desordens) na região.
No cemitério, o último adeus. Antes de enterrar, o "coronel" exaltava a figura do falecido e ao final recebia palmas. Ai daquele que não batesse palmas. Meu pai não batia palmas para "coronel" e foi perseguido durante muitos anos no Vale do Mucuri.


Autor: Walter Teófilo Rocha Garrocho.(Téo Garrocho). Barbacena-MG em 26/07/2010

sábado, 17 de julho de 2010

ALMIRO E ERCILA, AMOR NO VALE DO JEQUITINHONHA

Há muito tempo eram namorados. Almiro e Ercila se conheciam desde os tempos de criança quando ainda frequentavam escola primária na localidade de Ribeirão das Almas. Irrequieto, Almiro tinha o costume de matar passarinhos. Costume que, por incrível que pareça, Ercila adorava e até o ajudava na preparação de pelotas que eram queimadas ao fogo, após secar.
Ercila tinha motivos para gostar de passarinhos abatidos pelo namorado. Seu pai, João Caboclo, dizia sempre que: "homem não chora. Tem que ser macho. Matar passarinho é missão de homem macho".
João Caboclo nasceu e criou a família na região conhecida por forquilha. Já a família de Almiro foi criada na região do saco. A região da forquilha ficava mais ao alto e a região do saco mais embaixo.
Certa vez, numa festa, Ercila e Almiro brigaram. Ficaram muito tempo sem falar um com o outro. Ercila vivia triste na forquilha e Almiro de cabeça baixa no saco. Diziam os mais antigos que Ercila vivia dizendo: "enquanto Almiro não vier na minha forquilha, eu não vou no saco dele".


Autor: Walter Teófilo Rocha Garrocho (Téo Garrocho). Histórias do Vale do Jequitinhonha.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

SABUGO DE MILHO EM ARAÇUAI

Trabalhei algum tempo na Prefeitura Municipal de Araçuaí no Governo Municipal de Maria do Carmo Ferreira da Silva, nossa querida Cacá. Todas a vezes que eu visitava uma escola pública em Araçuaí, e até mesmo nas minhas andanças pelas montanhas rurais do Vale do Jequitinhonha, dizia para todos: A França, um dos berços das liberdades individuais, berço da liberdade, igualdade e fraternidade, tem em seu hino uma frase que diz: "vamos filhos da pátria, o dia de glória chegou".
Com esta frase, eu queria dizer aos estudantes e ao povo que somente eles poderiam criar uma nova era de glória e cidadania. Somente com o voto consciente, mudaríamos estruturas obsoletas e seculares de administrações públicas que nunca tiveram a participação popular. Era possível criar uma pátria mais justa e igualitária para todos os brasileiros; e era aquilo que pretendíamos para todos, naquela região esquecida pelos poderes públicos.
Lembro-me que quando meu pai Tim Garrocho estava preso no DOPS, na época da ditadura militar, meu tio Nilton (Nenzinho) foi até a casa de um conhecido deputado federal pedir ajuda em prol do meu pai. Na verdade, a ajuda (quanta humilhação!) era para que não o espancassem tanto como estavam fazendo nos porões da ditadura militar.
Alguém, que sabia do meu pai preso e conhecia meu tio, atendeu e disse que o tal deputado não estava em casa. Meu tio Nilton afastou-se um pouco e, minutos depois, o tal deputado federal saiu de casa num luxuoso carro oficial. Aquele deputado, como muitos, só conhecia meu pai e o povo de quatro em quatro anos.
Nos vales do Mucuri e Jequitinhonha, mesmo após o regime de opressão, o povo continuou, e acredito que em grande parte dos municípios, ainda continua sem assistência dos governos públicos em todas as esferas, ocasionando a proliferação de políticos que só voltam de quatro em quatro anos e que sempre viveram às custas da miséria, em todos os sentidos, do povo. Quando da minha visita àquela longínqua região do Vale do Jequitinhonha pude constatar que as raízes da ditadura militar, com seus péssimos políticos e bajuladores, ainda estavam presentes.
Visitei uma escola pública municipal onde as crianças estavam estudando em uma pequena igrejinha de fé onde não existia carteiras escolares. Ele escreviam praticamente curvados em bancos próprios para igrejas e outras reuniões. Não havia filtro de água. As crianças tomavam água de uma botija, conhecida por talha, que não filtrava a água. Não havia material escolar e nem livros. O apagador era um SABUGO DE MILHO.
Quando perguntei à professora onde estava o "quadro negro", ela me mostrou um velho e sujo latão de zinco enfumaçado e pendurado nas paredes da pequena igreja. O que mais me entristeceu naquele momento, era que sobre o latão sujo de zinco onde funcionava o "quadro negro", estava pendurado um grande calendário com uma foto sorridente de um conhecido político deputado federal com os seguintes dizeres: "Ele faz por você". O sorriso e a saúde do deputado na foto contrastavam com a tristeza dos olhos daquelas humildes e sofridas crianças.
Entendi tudo e, para alegria daquela comunidade, das crianças, dos pais e da professora, levamos todos os materiais básicos que faltavam à escola para seu funcionamento digno. Foi uma festa e nem precisamos levar ninguém para fazer discurso político.
Em tempo, arrancamos com palmas o retrato do deputado federal que ali só voltava de quatro em quatro anos. O " dia de glória chegou..."



Autor: Walter Teófilo Rocha Garrocho(Téo Garrocho)- Texto do livro Retalhos da Tortura, do autor, Páginas 137, 138, 139, e editado em 2006.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

SUBACO FEDENDO E CATA-QUIABO DE TEÓFILO OTONI

Era comum eu chegar à escola, nos meus tempos de criança e até nos tempos de juventude, escutando frases que marcaram minha vida. Até mesmo meu antigo e bom professor de matemática, Arnaldo Pinto Júnior (Bagana), tinha o costume de perguntar: "Garrocho, como está o Subaco Fedendo? E o Cata-Quiabo? Tudo bem por lá?" Eram essas as denominações dadas a duas pequenas vilas que meu pai ajudou a fundar em terrenos de nossa propriedade.
Não sei definir a causa dos apelidos, até por que, quando eu era criança, já havia muitos moradores residindo naquele local. Sei que grande parte da minha infância e juventude convivi com pais e filhos dessas pequenas vilas. Sempre gostei muito do Subaco Fedendo e do Cata-Quiabo. Era uma alegria quando ia ali para brincar e, mais tarde, conviver com a juventude daqueles lugares.
Meu pai, como político e amigo, tinha uma grande penetração naqueles redutos. E eram muitos os que apoiavam sua luta em prol dos mais humildes de Teófilo Otoni. Dizem os mais antigos que, "quando as turmas do Subaco e do Cata-Quiabo desciam o morro ao lado de Tim Garrocho, as elites tremiam no centro da cidade de Teófilo Otoni".
Quando os agentes do DOPS tiraram fotografias daqueles barracos e daquele povo sofrido, escutei um deles dizer que aquelas favelas eram obras do meu pai Tim Garrocho. No processo, em que o acusavam de subversivo e comunista, consta que ele (meu pai) "costumava dividir suas propriedades com os miseráveis, num claro sentido de suposta igualdade, evidenciando provável tendência ao regime comunista".
Tanto no Subaco Fedendo, quanto no Cata-Quiabo, moravam muitas pessoas com apelidos exóticos. Desde a "Família Grande", como outros inúmeros apelidos: Caga-Barro, Fedegoso, Maria Xarope, Maria Cacetão, Boca de Fogo, Lurdes Bundinha, Major, Gambá, Maria Macumbeira, Zé Pela, Zé Guarda, Amaro Doido, jabuti, Maria Rabo de Galo, Sapinho, João Troncha, Jorge Sem Bronca e por ai vai.
Lembro-me que o pau quebrava quando tinha rolo. Cansei de assistir a muitos rolos ao lado do meu grande amigo José Ramiro Geoking, e até analisávamos o referido rolo do dia. O "Rolo" era uma denominação dada a qualquer discussão ou bate-boca entre os moradores. Quando o rolo esquentava, só milagre de Deus para que não houvesse morte de alguém. Era uma gritaria como: "Ó o rolo seu Nô" ou "Chega Tim Garrocho". Gritavam por meu pai, que morava pertinho, e tinha costume de apartar os mais ferrenhos rolos que aconteciam.
Meu pai chagava e tentava na paz resolver a parada; se não resolvia com diálogo, dava um jeito de mostrar seu lado valente e fazia muito caboclo correr de medo. Gritavam por seu Nô (apelido carinhoso de João Gabriel da Costa) que já tinha sido delegado, vereador e era quem enterrava os mortos no cemitério municipal, fosse quem fosse, pobre ou rico.
Eu era rapazinho e gostava dos rolos. Achava interessante aquele rebuliço de gente correndo, aquela cachorrada latindo, as opiniões sobre o rolo, quem tinha ou não razão naquele submundo de pobreza material e espiritual que me lembrava um velho ditado "em casa onde falta o pão, todos brigam e ninguém tem razão". Existiam aqueles que não tinham a menor cerimônia em atiçar mais lenha no fogo do barraco...ou do rolo.
Era uma festa trágica e cômica. Um verdadeiro teatro popular onde todos saiam dos barracos para apreciar o rolo e escutar palavrões de toda espécie. As donzelas e beatas do lugar se arrepiavam e tapavam os ouvidos. Nunca me esqueço das inúmeras brigas de mulheres com puxões de de cabelos, homens entrando no meio, muito bate-boca e só parando quando a "rapa" chegava.
A rapa era o apelido que davam à rádio patrulha da polícia militar. Quando solicitada, vinha em alta velocidade e com sirene aberta. A rapa demorava a chegar por que, antes, tinha que dar parte na delegacia ou no quartel de polícia militar. Coisas do passado. Só sei que quando a rapa apitava a sirene e chegava, era uma correria de dar medo. Ninguém queria ser testemunha ou ficar por perto. Só os brigões e, mesmo assim, se pudessem, também caiam fora.
Quem ficava era preso e encaminhado para contar o caso ao delegado; "autoridade" nomeada, naquele tempo, pelos políticos que faziam o jogo do sistema da ditadura militar. Eram os famosos delegados apelidados de "delegado calça curta". Para mostrar o império da força, a polícia dava alguns socos e tapas. Afinal, estávamos numa ditadura militar.
Naqueles tempos da ditadura militar, as liberdades de expressão e direitos não eram respeitados. Lembro-me, tristemente, de muitas arbitrariedades praticadas por policiais militares e civis. Presenciei tantas, que muitas marcaram minha vida, devido à violência praticada, principalmente na Vila Verônica onde nasci. Toda vez que eu assistia a um espancamento ou uma perseguição policial, sentia uma revolta muito grande. Lembrava do meu pai Tim Garrocho sendo torturado nas prisões e nos porões do DOPS pelas quais passou durante a ditadura militar.



Autor: Walter Teófilo Rocha Garrocho (Téo Garrocho). Texto do livro Retalhos da Tortura, do autor, páginas 32,34,35,36, editado em 2006.

domingo, 11 de julho de 2010

JOAQUIM CALÇA CURTA

Tercila, moradora do Vale do Jequitinhonha, escreve-me. Há muito tempo não tinha noticias de Tercila. Escreve-me contando que seu filho Joaquim "está no ponto" de viajar para São Paulo e fazer parte do "exército" de cortadores de cana na região de Piracicaba.
Diz Tercila que o "gato", apelido dado ao intermediário das contratações de trabalhadores no Vale do Jequitinhonha, já fichou Joaquim. Ele," não vê a hora" de partir para São Paulo e realizar um velho sonho de criança numa terra tão esquecida pelos poderes públicos.
Conheci Joaquim quando ainda era criança. Lembro-me do mesmo chupando mangas e correndo atrás dos bodes que seu avô Mané Pelado, pai de Tercila, criava aos montes. Como todo menino do Vale do Jequitinhonha, Joaquim tinha o olhar desconfiado, meio triste, vago, sem esperança.
A última vez que encontrei Joaquim, tinha ele uns quinze anos. Comia num prato, farofa com torresmo. Tercila sempre dizia que torresmo dava "sustança" para que Joaquim ficasse forte e aguentasse com firmeza o podão ou facão no corte de cana.
Tercila, no final da carta, diz que Joaquim tem sonhos imediatos. O primeiro é colocar um par de dentaduras. O segundo é comprar uma calça Jeans comprida. Segundo ela, Joaquim não aguenta mais ser chamado de Joaquim calça curta.


Autor: Walter Teófilo Rocha Garrocho. (Téo Garrocho). Membro correspondente da Academia de Letras de Teófilo Otoni-MG. Autor do Livro Retalhos da Tortura, editado em 2006.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

NOSSA MÃE LAURA, UMA GUERREIRA

Uma mulher que resistiu a tudo, tornando-se uma verdadeira guerreira para todos nós, seus filhos. Assim sempre pensei sobre nossa mãe, que foi importante nas nossas vidas, principalmente nas prisões do nosso pai. Em todos os momentos, nunca nos abandonou e não se esquecia de nosso pai que estava na prisão. Nossa mãe, com ajuda da nossa saudosa Maria Bonfim, que carinhosamente chamávamos de Dinha, guardava-nos de todo mal e sempre nos orientava para o bom caminho.
Muitas vezes, encontrei minha mãe chorando pelos cantos do nosso velho casarão, e eu queria entender todo aquele sofrimento; mas, criança jovem que ainda era, não conseguia entender a profundidade daquelas sequelas na vida dela e nem das nossas, seus filhos. Nossa mãe sofreu muito, principalmente quando a intimavam para depoimentos sobre a vida pública e política do meu pai Tim Garrocho.
A ditadura militar nem imagina o mal que causou à saúde da minha mãe, sendo mais um caso de tortura na nossa família que nenhum valor em dinheiro paga. Até os dias atuais, minha mãe tem problemas de saúde oriundos do passado, época de perseguições à nossa família. Naquela época, muitos bens e propriedades nossos foram vendidos para custear advogados e suavizar as necessidades do meu pai nas prisões, custos de viagens ao DOPS em Belo Horizonte e manutenção dos filhos e a família em Teófilo Otoni.
Nossa mãe foi uma lutadora. Teve dignidade até para suportar os olhares de maldade de muitos homens, sendo sempre uma mulher de muita personalidade e muita fibra. Os problemas de saúde foram tantos que, por longos anos e até os dias atuais, precisa se medicar com remédios de controle psiquiátrico e hipertensão. Mesmo assim, ainda trabalhou longos anos em serviço público de saúde, tendo forças para ajudar a todos no setor de Hanseniase em que trabalhava, até se aposentar por invalidez.


Autor: Walter Teófilo Rocha Garrocho.(Téo Garrocho)

sábado, 3 de julho de 2010

AS LAVADEIRAS DO RIO SANTO MARCOLINO

Na época da ditadura militar em Teófilo Otoni, nós éramos meninos jovens e descíamos o morro da igrejinha Nossa Senhora dos Pobres para chegar até ao Rio Santo Marcolino, que ficava próximo ao famoso campinho de futebol do Zé Ramiro. Naquele rio, ainda com águas límpidas e sem poluição, eu e a molecada da Vila Verônica, Subaco-Fedendo, Cata-Quiabo e Vila Barreiros tomávamos muito banho.
O bom mesmo era tomar banho pelado e correr, passando perto das dezenas de lavadeiras que por ali ganhavam o pão de cada dia lavando roupa para fora, ou seja, para as famílias mais ricas e abastadas. Toda aquela cena das lavadeiras, com os rostos suados de tanto esforço para esfregar roupa naquele sol escaldante, já me tocava espiritualmente; e eu sentia que alguma coisa precisava ser feita para suavizar o sofrimento das camadas mais pobres da sociedade.
Eu e muitos amigos de infância tirávamos nossos mergulhos ao som das lavadeiras que cantarolavam: "Encosta sua cabecinha no meu ombro e chora e conta para mim todas as suas mágoas. Quem chora no meu ombro eu juro que não vai embora, não vai embora, porque gosta de mim".
Eu ficava maravilhado. Aquela cantoria fazia com que eu me lembrasse do meu pai, preso ainda nos porões do DOPS. Não sabia se chorava ou sorria junto com aquelas lavadeiras de dentes alvos e bonitos. As bocas de lábios vermelhos me lembravam a cor da bandeira dos comunistas, de que tanto meu pai gostava, e que pareciam dizer: "Cresce, menino Téo, filho de pai valente e socialista; cresce menino, e nos ensina-como Rui Barbosa- "que a pátria somos todos nós"; cresce menino Téo sonhador, e põe em prática os ideais de seu pai preso político que sempre nos ensinou os caminhos da conscientização política e social; cresce menino Téo, e que, mais tarde já com os cabelos brancos pelo tempo e a mente sempre poética, possa admirar como nós e perpetuar a obra do seu pai Tim Garrocho em prol dos pobres e oprimidos como nós, lavadeiras do Rio Santo Marcolino no Vale do Mucuri das Minas Gerais".


Autor: Walter Teófilo Rocha Garrocho (Téo Garrocho)