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quarta-feira, 28 de abril de 2010

Lembranças

Quando aqui cheguei,
Era ainda um menino.
Pequeno, pálido e franzino.
Do sertão nordestino fugindo.

Fui bem recebido
Comecei a ter infância
De gratas e saudáveis lembranças.

Fomos morar no "Quenta sol":
Alto do Cemitério
Com muito verde ao redor.

Éramos como pasarinhos
Fomos parar na Vila Barreiros
Com muita lama na estrada
E mato pelo caminho.

Lembro-me do sítio,
Situado na Vilinha
Mangas, canas, jaboticabas
Mexericas também tinha.

Logo na chegada
Vinha a senhora Tereza
Doce e amável criatura
Que a todos recepcionava
Com quitutes na bandeja.


Autor: Leuson Francisco da Cruz-*Poeta e Escritor do Vale do Mucuri(Teófilo Otoni-MG)- Membro da Academia de Letras de Teófilo Otoni-MG. Texto publicado na Revista Literária da Academia de Letras de Teófilo Otoni, CAFÉ -COM -LETRAS- Ano 7-Setembro de 2009-

sexta-feira, 23 de abril de 2010

No chão, sem chão

Rezo Ave-Maria.
Em nome de Cristo!
Sr. Presidente, quero meu quinhão!


Eu trabalho duro,
neste solo santo.
Canto o meu canto. Pra libertação!


Eu nasci na serra,
como um boi de arado.
Ali fui preparado, pra lavrar o chão!


Olho o horizonte,
que limita o homem
ante a criação.


Já quebrei cancelas,
já abri porteiras!
Sou uma sequela, sem a produção.


Sou da mata virgem,
sinto até vertigem
no vale sem vale, neste chão sem chão!


Rezo Ave-Maria.
Peço luz a Cristo,
como um filho quisto, busco a salvação.


Na terra sem terra,
minha garganta emperra,
pois me falta o pão.


Vago de lado a lado,
bem desnorteado
neste chão sem chão.



Autor: Aloísio ( Lula) Ribeiro- *Poeta e Escritor do Vale do Mucurí(Teófilo Otoni-MG)- Faleceu em 2009. Texto do livro de sua autoria "Visões de um Cotidiano", páginas 32,33 e editado em Janeiro de 2003

Andanças pelo passado

Resolvi "andar" pelo passado em minha terra natal. Alguma vez você "viajou" pelo tempo? é bom, trás uma alegria para a alma que você nem imagina. Nada de recordar tristeza, essa sim, abala a alma. " Mãe, tô saindo". Era assim que eu pegava minha bicicleta e percorria as ruas e os bairros da antiga Teófilo Otoni. Bem, como estou "no passado", saio da Grota da Verônica, dou um alô para os amigos do Rabicho e sigo em frente. Mais adiante, passo em frente à antiga zona boêmia do Carrapatinho e chego à antiga Feirinha. Ali, na subida do morro do bispo, dou tchau meio tímido para minha primeira namorada.
Continuo pedalando minha magrela e olha eu chegando na Padre Virgulino. Aproveito e passo perto do morro do Zig-Zag. Subo a Rua da Matriz e desço lá perto da Rua dos Padres. Passo perto da Praça Tiradentes e tiro uma foto com os fotógrafos Lambe-Lambe. Subo a Rua Getúlio Vargas e chego à Praça dos "alemão". Tô pertinho mesmo e meio escondido dou uma "chegadinha" na famosa zona boêmia do Chico Sá. Muita "muié", muita "muié". As beatas antigas diziam-me que aquele lugar "era o inferno" e bota inferno nisso. Se aquilo era inferno, posso garantir que desejei muito ficar uns tempos sob o domínio do rabudo. Cruz credo!
Vamos lá e tô chegando no Pau Velho, antes passei perto do Colégio São José e mandei silenciosamente o Frei Matias "pros quintos do inferno". ô padrezinho bravo sô! Tem nada não, mas, minhas orelhas até hoje estão vermelhas de tanto aquela turma de padre puxar. Chegando no Pau Velho, viro para a direita e chego no Grão Pará. Passo perto da igreja dos "alemão", mais á frente passo em frente à antiga CEMIG "do Dr. Argemiro".
Entro na subida do "morro do América", passo em frente à antiga casa do Caruê e subo até perto do antigo sanatório. Desço pela rua Dr. Onofre, passo no beco da Telefônica e entro na Rua do Cine Império(Poeira). Vou descendo e mais adiante dobro à direita para entrar na Rua das Flores. Dali, atravesso o beco do Rex, atravesso uma "pinguela" do Rio todos os Santos e sigo até o morro do cemitério onde dou "de cara" com Seo Nô e aquela "furreca" velha que era dirigida por Moacir Pungyrum.
Pedalo rápido, tinha "medo" de Seo Nô. Ele enterrava as pessoas num lugar onde tinha uma placa de todo tamanho na entrada: "Laborum Meta", ou seja, fim dos trabalhos. Olha eu chegando no Cata-Quiabo e Subaco Fedendo. Gostava daqueles lugares. Povo humilde, gente simpls de coração bom. Mais à frente, desço pela morro da igrejinha dos pobres e saio em frente à minha antiga casa na Grota da Verônica. Antes de entrar, ainda tive tempo de dar benção para Dona Chiquinha Ottoni que sempre me ensinou a ser bom e terno.



Autor: Téo Garrocho- * Barbacena-23/04/2010

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Tocando pneu velho

Sempre gostei de um pneu velho nos meus tempos de criança e toquei muito pneu velho pelos bairros da minha terra natal. Com isso, aprendi a conhecer toda a cidade, até por que naquela época(década de 60 a 70), Teófilo Otoni ainda era uma pacata cidade do interior e boa de se viver em paz.

Foi tocando pneu que descobri o quanto meu pai Tim Garrocho e outros líderes populares como Dr. Petrônio Mendes de Souza, João Gabriel da Costa(Seu Nô), Antonio Barbosa(Tote) eram conhecidos e queridos pelo povo mais humilde da cidade.

Foi tocando pneu que eu conseguia esquecer a tristeza pela primeira prisão do meu pai, em 1964, pela Ditadura Militar; e foi tocando pneu que muitas vezes abrandei em meu coração a saudade de não ter meu pai ao meu lado, nos domingos ensolarados e bonitos de Teófilo Otoni convidando a todos para um gostoso banho de rio no "quente-frio", ou lá pelas bandas da "Suiça" e cachoeirinha do Bairro Palmeiras.

Tocando pneu pelas ruas, em espírito e precocemente politizado, já sentia e entendia os rumores e clamores do povo da minha terra por mais justiça social. Junto com meus velhos amigos da Vila Verônica, eu sentia desde menino o quanto é importante criar laços de uma sociedade sem egoísmo, coesa em sentimentos de fraternidade, além de conhecedora dos seus direitos de cidadania.

Tocando pneu, vi e assimilei aquilo que meu pai sempre ensinou a todos nós, seus filhos e seus amigos: "Enxerguem e procurem suavizar, de alguma forma, o sofrimento dos menos favorecidos".

Foi tocando pneu que conheci e passei a entender as lágrimas dos filhos e das filhas dos ex-ferroviários da extinta Estrada de Ferro Bahia-Minas pela Ditadura Militar. As lágrimas de Benedita, do meu grande amigo escritor Jaime Gomes, Betinho Millard e de Antonio Simões(filho do saudoso ferroviário Olegário Simões). Meu amigo Toni Simões, do antigo colégio São José, do futebol e de encontros amigos ao lado de sua casa, perto do pontilhão no Bairro Palmeiras.

Foi tocando pneu que senti o prejuízo social causado pela extinção da Estrada de Ferro Bahia-Minas, o que gerou a decadência econômica de Teófilo Otoni e de várias cidades dos Vales do Mucuri e Jequitinhonha, ocasionando desemprego e miséria quase absoluta na nossa região.

Foi tocando pneu pelos becos e ruelas dos queridos vilarejos do Subaco-Fedendo e Cata-Quiabo que descobri a pior miséria do mundo: a omissão dos governos públicos em todas as esferas na assistência aos mais carentes e marginalizados da sociedade.

Foi tocando pneu que descobri o quanto foi importante a conscientização das massas oprimidas por parte do meu pai Tim Garrocho; e, junto com meus velhos companheiros da Vila Verônica, sentíamos nos peitos esqueléticos uma leve brisa com cheiro de liberdade e democracia, num futuro próximo.

Discretamente, na minha conscientização política precoce, eu pedia ao Deus do Universo que aquela brisa suavizasse o sofrimento e as torturas aos quais, nos porões da Ditadura Militar, meu pai Tim Garrocho estava sendo submetido.



Autor: Téo Garrocho-* Texto do livro "Retalhos da Tortura" do autor e editado em 2006.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Dia das crianças

O relógio da igreja matriz em Teófilo Otoni marcava dez horas. A praça Tiradentes, linda e típica de cidade do interior, estava repleta de crianças. Afinal, aquele era o dia delas: 12 de outubro.

Alheio aos gritos e algazarra das crianças, meia dúzia de idosos jogavam damas. Em outro banco da praça, um casal de jovens trocava juras de amor. Sorridente e feliz com a "paz da pracinha", o simpático e popular Gaitan, proprietário da banca de revistas, cantarolava " A banda" de Chico Buarque.

Pessoalmente, sempre achei que todo dia é dia das crianças. Penso que criança não guarda datas e sim boas lembranças. Eu, por exemplo, guardo boas lembranças de banhos em rios e jogos de futebol. Não guardo boas lembranças de jogos com bolinhas de gude. Eu era péssimo jogador e tomava muito cascudo dos meninos mais fortes fisicamente.

A lembrança dos cascudos em minha cabeça, leva-me a acreditar que nenhuma criança gosta de ser castigada fisicamente. Seja em casa, na rua, na escola, criança gosta mesmo é de carinho. Engana-se quem pensa que a criança esquece do agressor. Perdoar sim, a criança tem o dom de perdoar. Não foi por acaso que o mestre Jesus disse: " Deixai vir a mim as criancinhas, delas é o reino dos céus".

Façamos então como Gaitan, o antigo dono da banca de jornais na Praça Tiradentes em Teófilo Otoni e cantarolemos juntos em homenagem aos anjos que sabem perdoar: " Estava à toa na vida, o meu amor me chamou prá ver a banda passar, tocando coisas de amor". Antes que eu esqueça, pergunto: Há quanto tempo você não escuta a banda cantando coisas de amor em seu coração?

Autor: Téo Garrocho- * Texto dedicado a todas as crianças dos Vales do Mucuri e Jequitinhonha em Minas Gerais. Barbacena, 20/04/2010