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segunda-feira, 23 de agosto de 2010

AS TORTURAS FÍSICAS SOFRIDAS POR MEU PAI TIM GARROCHO PELA DITADURA MILITAR

Minhas mãos ficam trêmulas, meu coração parece disparar, sinto que este é o momento mais difícil de descrever. Este talvez seja o retalho da tortura que mais dói. Sinto medo, não sei ou sei? Minha mente é um oceano de dúvidas, imagens do passado vagueiam, há um ar de revolta, um olhar distante. Penso em Deus, o espírito perfeito. Necessito perdoar para equilibrar a mente, a caneta e os depoimento que vou relatar.
Sinto que não está sendo fácil. Olho para os lados e sinto que tenho mania de perseguição. Os fantasmas da tortura invadem meu ser. Tento afastá-los, e eles parecem dizer que, se eu denunciar, eles também vão me quebrar no pau-de-arara. A viatura militar passa na rua ao lado, patrulha de rotina. Imagino que podem ser eles. Vou à janela e observo se não estão em frente à minha casa. Meu Deus, eu ainda sou um doente, não consigo esquecer...
A ferida aumenta, parece que abriu, dói muito, alguém me ajude! Deus, não me abandone, dai-me forças neste momento em que estou me afundando nas sequelas oriundas da tortura do meu pai Tim Garrocho, ex- preso político brasileiro.
Após a prisão do meu pai e de alguns companheiros, considerados pela ditadura como subversivos e comunistas, eles seriam levados para Belo Horizonte em um ônibus. Mas, chegando na cidade de Governador Valadares, eles ordenaram que somente meu pai descesse e o levaram para a cadeia pública da cidade. Jogaram-no numa cela imunda, sozinho. Tudo devidamente preparado para os atos de tortura. Aos 34 anos de idade, Tim Garrocho iria enfrentar uma situação em que acreditava que viria, só que ele não imaginava que seria tão cruel e tão covarde.
Na calada da noite, como é de costume de muitos covardes, eles chegaram e principalmente ele, o "pretenso dono do poder" naquele momento: Um então Tenente, à época, e hoje Coronel reformado da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais. Elemento covarde que, desprovido de nenhum respeito por um ser humano algemado e imobilizado, demonstrou sua índole de barbaridade torturando pessoalmente o Tim Garrocho, um homem que apenas sonhava com uma pátria mais justa e democrática.
Torturando presos políticos, na calada da noite e nos porões da ditadura militar, por certo via naquelas torturas a seres indefesos uma forma de se promover perante os comandantes e bajuladores do regime militar e ser um dos muitos apadrinhados do sistema.
Tanto o foi que, em certo governo de Minas Gerais, chegou a ser o comandante do policiamento da capital mineira; e em outro governo, foi condecorado em Ouro Preto com a Medalha da Inconfidência Mineira. Tiradentes, se vivo fosse, envergonharia-se com tanta injustiça.
Tim Garrocho nos relata hoje, aos 81 anos, que sofreu muito. Tomou muitos socos e pontapés do tenente torturador e não tinha como reagir, devido às algemas e estar cercado, por todos os lados, de militares comandados e que também batiam com chutes e socos.
Segundo meu pai, o tenente era um desequilibrado, pois quanto mais torturava, mais descontrolado ficava, e batia para ver "se o cara morria. Se morrer, vamos levar o corpo e jogar no Rio Doce de Governador Valadares. Nunca mais vão encontrar o corpo dele". Palavras sujas de ódio de um homem(?) que, para mim, e tenho certeza de que para muitos mineiros e brasileiros, não deveria ter envergado a farda da nossa iluminada, aguerrida, briosa e respeitada Polícia Militar do Estado de Minas Gerais.
Não foi daquela vez que meu pai morreria; e o então Tenente à época, e hoje Coronel reformado da Policia Militar de Minas Gerais, preparou outra cena de tortura na véspera da transferência do nosso pai para a Penitenciária de Neves em Belo Horizonte.
Mandou fazer um corredor de militares, apelidado de "corredor polonês". Tiraram toda a roupa do meu pai, deixando-o completamente nú, ordenando aos gritos que passasse dentro daquele corredor de militares. Tim Garrocho nos relata que "tomou muitos socos e chutes, não conseguia mais levantar. O corpo doía muito, parece que tinham quebrado seus braços e costelas, sangue jorrava pelo nariz e ouvidos". Estava totalmente torturado.
Naquele momento, pensou " que a morte estava chegando; nuvens escuras na sua mente, delirava, não coordenava mais os movimentos do corpo, pensava em Deus, na sua infância, na sua família, na esposa, nos filhos; e que, talvez, não viesse a vê-los nunca mais".
Foi transferido para a Penitenciária de Neves, Belo Horizonte, e achou que o martírio tinha acabado. Ao descer da viatura militar, foi recebido com um violento soco no abdômen, desferido por um policial da Polícia Militar de Minas Gerais. Ali, naquela penitenciária de Neves, permaneceu por quase sete meses, preso no ano de 1964.
Voltou à sua terra natal e não se calou e se dobrou à ditadura militar. Preso novamente em 1969, foi levado par Juiz de Fora e submetido a vários interrogatórios pelo Exército. Julgado pela Quarta Auditoria Militar do Exército, foi condenado a dois anos de prisão com pena cumprida nos porões do DOPS em Belo Horizonte.



Autor: Walter Teófilo Rocha Garrocho (Téo Garrocho). Texto do livro Retalhos da Tortura, do autor, páginas 68,69,70,71. Livro editado em 2006.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

ZÉ TREPA, O "CUEBA" QUE QUERIA SER POLÍCIA

Zé Trepa era consertador de rádio no longínquo Distrito de Engenheiro Schnoor, município de Araçuai no Vale do Jequitinhonha. Aprendeu o ofício de tanto cutucar velhos aparelhos usados que trazia de um ferro velho de Araçuai.
Zé Trepa nasceu e saiu poucas vezes de Engenheiro Schnoor. Tinha sonho de ser militar, mas, um problema físico nas pernas impediu a realização de "sentar praça" como falavam seus pais João Cruz e Maria Batista que tinham um carinho especial para o filho único. Carinho este que só perdia para o grande amor que Telvina, moça prendada, nutria por ele.
Antes de consertar rádio, Zé Trepa só pensava em ser polícia. De tanto pensar, incorporou atitudes que na sua simples imaginação, eram de um autêntico militar. Deixou o bigode crescer, sorria pouco, falava pouco e tinha poucos amigos. Cumpria rigorosamente horários de dormir e acordar. Não bebia pinga, não fumava. Cheirava de vez em quando um rapé especial que João Cruz, seu pai, fazia.
Àquela época, onde poucos jovens queriam ser polícia, Zé Trepa apresentou-se no quartel em Teófilo Otoni. Realizou os exames e veio o resultado. Zé Trepa não foi aprovado. O doutor disse que foi tudo bem, mas, as pernas não eram apropriadas para a função. Resumindo, Zé Trepa era "cueba" na linguagem popular da região.
Zé Trepa voltou para o Vale do Jequitinhonha. Se já era quieto, mais quieto ficou. Ninguém podia saber que era "cueba". Só ele e o médico que deu o veredicto. Fez promessa para Nossa Senhora do Carmo e Menino Jesus de Praga. Dito e feito.
O tempo passou e Zé Trepa cansou. Não aguentava mais a vida solitária que levava. Parecia mais um túmulo. Aproveitou que tinha festa no Distrito, subiu até a torre da igreja e badalou o sino da igreja por três vezes. Quando viu que todos tinham os olhos arregalados nele, gritou em alto e bom som: "Eu sou cueba, eu sou cueba, eu sou cueba...". No meio da multidão, Telvina respondeu: "Desce daí meu amor, todo mundo sabe que você é cueba, só você que não sabia". Assim, Zé Trepa caiu nos braços de Telvina e dançaram forró a noite inteira sob os olhares do povo que não parava de dizer: " Ô cueba que dança bem sô".



Autor: Walter Teófilo Rocha Garrocho (Téo Garrocho). Barbacena-MG, em 10/08/2010