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quarta-feira, 14 de julho de 2010

SUBACO FEDENDO E CATA-QUIABO DE TEÓFILO OTONI

Era comum eu chegar à escola, nos meus tempos de criança e até nos tempos de juventude, escutando frases que marcaram minha vida. Até mesmo meu antigo e bom professor de matemática, Arnaldo Pinto Júnior (Bagana), tinha o costume de perguntar: "Garrocho, como está o Subaco Fedendo? E o Cata-Quiabo? Tudo bem por lá?" Eram essas as denominações dadas a duas pequenas vilas que meu pai ajudou a fundar em terrenos de nossa propriedade.
Não sei definir a causa dos apelidos, até por que, quando eu era criança, já havia muitos moradores residindo naquele local. Sei que grande parte da minha infância e juventude convivi com pais e filhos dessas pequenas vilas. Sempre gostei muito do Subaco Fedendo e do Cata-Quiabo. Era uma alegria quando ia ali para brincar e, mais tarde, conviver com a juventude daqueles lugares.
Meu pai, como político e amigo, tinha uma grande penetração naqueles redutos. E eram muitos os que apoiavam sua luta em prol dos mais humildes de Teófilo Otoni. Dizem os mais antigos que, "quando as turmas do Subaco e do Cata-Quiabo desciam o morro ao lado de Tim Garrocho, as elites tremiam no centro da cidade de Teófilo Otoni".
Quando os agentes do DOPS tiraram fotografias daqueles barracos e daquele povo sofrido, escutei um deles dizer que aquelas favelas eram obras do meu pai Tim Garrocho. No processo, em que o acusavam de subversivo e comunista, consta que ele (meu pai) "costumava dividir suas propriedades com os miseráveis, num claro sentido de suposta igualdade, evidenciando provável tendência ao regime comunista".
Tanto no Subaco Fedendo, quanto no Cata-Quiabo, moravam muitas pessoas com apelidos exóticos. Desde a "Família Grande", como outros inúmeros apelidos: Caga-Barro, Fedegoso, Maria Xarope, Maria Cacetão, Boca de Fogo, Lurdes Bundinha, Major, Gambá, Maria Macumbeira, Zé Pela, Zé Guarda, Amaro Doido, jabuti, Maria Rabo de Galo, Sapinho, João Troncha, Jorge Sem Bronca e por ai vai.
Lembro-me que o pau quebrava quando tinha rolo. Cansei de assistir a muitos rolos ao lado do meu grande amigo José Ramiro Geoking, e até analisávamos o referido rolo do dia. O "Rolo" era uma denominação dada a qualquer discussão ou bate-boca entre os moradores. Quando o rolo esquentava, só milagre de Deus para que não houvesse morte de alguém. Era uma gritaria como: "Ó o rolo seu Nô" ou "Chega Tim Garrocho". Gritavam por meu pai, que morava pertinho, e tinha costume de apartar os mais ferrenhos rolos que aconteciam.
Meu pai chagava e tentava na paz resolver a parada; se não resolvia com diálogo, dava um jeito de mostrar seu lado valente e fazia muito caboclo correr de medo. Gritavam por seu Nô (apelido carinhoso de João Gabriel da Costa) que já tinha sido delegado, vereador e era quem enterrava os mortos no cemitério municipal, fosse quem fosse, pobre ou rico.
Eu era rapazinho e gostava dos rolos. Achava interessante aquele rebuliço de gente correndo, aquela cachorrada latindo, as opiniões sobre o rolo, quem tinha ou não razão naquele submundo de pobreza material e espiritual que me lembrava um velho ditado "em casa onde falta o pão, todos brigam e ninguém tem razão". Existiam aqueles que não tinham a menor cerimônia em atiçar mais lenha no fogo do barraco...ou do rolo.
Era uma festa trágica e cômica. Um verdadeiro teatro popular onde todos saiam dos barracos para apreciar o rolo e escutar palavrões de toda espécie. As donzelas e beatas do lugar se arrepiavam e tapavam os ouvidos. Nunca me esqueço das inúmeras brigas de mulheres com puxões de de cabelos, homens entrando no meio, muito bate-boca e só parando quando a "rapa" chegava.
A rapa era o apelido que davam à rádio patrulha da polícia militar. Quando solicitada, vinha em alta velocidade e com sirene aberta. A rapa demorava a chegar por que, antes, tinha que dar parte na delegacia ou no quartel de polícia militar. Coisas do passado. Só sei que quando a rapa apitava a sirene e chegava, era uma correria de dar medo. Ninguém queria ser testemunha ou ficar por perto. Só os brigões e, mesmo assim, se pudessem, também caiam fora.
Quem ficava era preso e encaminhado para contar o caso ao delegado; "autoridade" nomeada, naquele tempo, pelos políticos que faziam o jogo do sistema da ditadura militar. Eram os famosos delegados apelidados de "delegado calça curta". Para mostrar o império da força, a polícia dava alguns socos e tapas. Afinal, estávamos numa ditadura militar.
Naqueles tempos da ditadura militar, as liberdades de expressão e direitos não eram respeitados. Lembro-me, tristemente, de muitas arbitrariedades praticadas por policiais militares e civis. Presenciei tantas, que muitas marcaram minha vida, devido à violência praticada, principalmente na Vila Verônica onde nasci. Toda vez que eu assistia a um espancamento ou uma perseguição policial, sentia uma revolta muito grande. Lembrava do meu pai Tim Garrocho sendo torturado nas prisões e nos porões do DOPS pelas quais passou durante a ditadura militar.



Autor: Walter Teófilo Rocha Garrocho (Téo Garrocho). Texto do livro Retalhos da Tortura, do autor, páginas 32,34,35,36, editado em 2006.

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