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quinta-feira, 25 de julho de 2013

A PRISÃO DO VELHO NESTOR MEDINA EM TEÓFILO OTONI

Era março, início do mês, Nestor estava muito nervoso, mas eu não tinha nem uma ideia do que de fato estava acontecendo. Dona Conceição também estava diferente, ela que era de pouco falar, estava quase emudecida, falava baixo, quase num sussurro, acho que a ideia de não deixar Maneca dormir lá em casa foi dela. Conceição sabia da importância de Maneca dentro da estrutura do partido, e ela em nenhum momento até então ousava aborrecer Nestor quanto a problema do partido. Ela até não concordava com muita coisa, mas aceitava porque respeitava muito seu marido e entendia a importância dessas coisas para Nestor.
Nestor no início da carreira na Rede Ferroviária era telegrafista e dos bons e no início da caminhada ele tinha sido usado como telegrafista e talvez continuasse sendo usado pelo partido , transmitindo em códigos as ordens do partido na região. Fala-se até que quando estava preso lá em Neves, num determinado dia começou a receber uma mensagem em código Morse na parede de seu cubículo. No início pensou que poderia ser os militares querendo aprontar alguma com ele, depois de vários dias, resolveu responder as mensagens, e durante todo o tempo em que passou na prisão , diariamente conversava com esse companheiro que era médico na cidade de Governador Valadares, e se inteirava de todas as novidades da prisão e do país, mas nunca o conheceu pessoalmente.
E o fato de saber com antecedência muita coisa, lhe dava certa vantagem nos seus interrogatórios em seu IPM. E isso amainava o desgosto de estar preso. Os interrogatórios é que incomodavam muito e sessões de tortura psicológica desestabilizavam a estrutura emocional dos presos. Os tapas, e até mesmo o pau de arara era muito pouco se comparado com assuntos familiares, quando os algozes o chantageavam dizendo que tinham prendido algum filho, ou que sua mulher o tinha entregado. É claro que Nestor nunca acreditava e a comunicação com os presos diminuía muito esse sofrimento.
Nestor nunca falava, ou quase pouco, sobre torturas, era tabu. Ficamos sabendo através de outros presos, mas nunca tivemos dúvidas quanto a isso. A dignidade humana é algo fundamental no crescimento da humanidade, e a tortura tanto psicológica como física destrói qualquer ser humano, reduz a força do ser, por mais forte que seja. Tínhamos muita vontade de falar com ele sobre esse assunto doloroso tanto para nós como para ele, mas decidi que mesmo assim conversaria algum dia com Nestor sobre a tortura na prisão. Ele não morreria sem dar esse testemunho para mim. Algum dia eu iria ouvi-lo e isso aconteceu depois.
Nestor sempre foi um forte e sempre trilhou o caminho do bem, sempre defendeu os mais fracos, sempre buscou ser um homem honesto. Sua prisão para nós foi uma afronta, uma agressão. Eu menino ainda não entendia como defender socialistas pudesse ser considerado crime. Um homem que só pregava o bem e que tinha como meta na sua vida a retidão,  a família, e de uma hora para outra ser preso incomunicável, ser torturado e perder o contato com os seus. Isso era inconcebível.
Naqueles momentos sombrios da história do Brasil, passei a entender o surgimento de regimes como o nazista por exemplo. Pessoas que até então tinham vivido ao seu lado, passaram a te considerar inimigos de uma hora para a outra pelo simples fato de o seu pai ser taxado como inimigo público, você passar a ser considerado perigoso. Eles não sabiam na verdade o que era ser comunista, mas a propaganda se incumbia de aterrorizar e transformar em inimigos os seus, até então, pacatos vizinhos. Eu também não entendia o que na verdade era ser comunista quando diziam que Nestor era comunista. Eu achava exagero, desinformação e nunca concordava que Nestor fosse socialista como às vezes ele se autodenominava, e nem que o partido tivesse tanta influência no interior de Minas, como descobri depois.
Ele falava aquilo o dia inteiro, quase á exaustão e era interessante que só ele se sentia incomodado com aquilo. As pessoas não davam a mínima importância a uma coisa que deveria ser tão valorizada. Quando veio o parlamentarismo e com ele a posse de Jango, foi um verdadeiro orgasmo político para Nestor, mas, ele sabia que aquilo teria um preço. Os militares cobrariam um preço alto por aquela concessão e ele dizia que Jango deveria se cuidar e fosse necessário desse logo um golpe de estado e assumisse logo o controle da nação. Ele, Nestor, tinha certeza absoluta de aquilo iria acontecer. Ledo engano, jango tomou posse, mas, não aguentou a pressão dos militares, mesmo com Tancredo Neves como seu primeiro ministro num regime parlamentarista arranjado de última hora. Na verdade, Nestor não tinha muita confiança no Tancredo Neves. Ele achava que Tancredo fazia um pouco o jogo dos militares e depois do comício da Central do Brasil, a coisa ficou insustentável. Se Jango não partisse imediatamente para as faladas reformas de base, seriam os militares que dariam o golpe e foi o que aconteceu.
Quando os militares fizeram a revolução, Nestor a princípio não acreditou e passou a noite de 31 de março de 1964 acordado, chorando copiosamente e nos dias subsequentes não largava o pé do rádio em cima do balcão ou ouvindo as rádios Nacional e Tupi que já estavam censuradas, tentando filtrar alguma coisa. Após os três primeiros dias viu que não adiantava mais e chorou mais ainda. Chorou muito. Quando iniciaram as prisões dos seus companheiros, Conceição pensou que Nestor pudesse dar cabo à sua vida. Ela confessou isso mais tarde. Mas, ele teve que suportar aquilo até o dia da sua prisão que ocorreu em 6 de abril de 1964.


Autor: Jorge Amado Santos Medina, amigo médico em Teófilo Otoni-MG, filho do saudoso Nestor Medina, Ex. ferroviário, Ex. preso político e um dos homens mais inteligentes da história de Teófilo Otoni e Vales do Mucuri, São Mateus e Jequitinhonha. À família, com a qual me identifico nos relatos acima, o meu respeito e admiração em 25/07/2013, Téo Garrocho-Barbacena-MG. Texto da Revista Literária Café com Letras. Revista literária da Academia de Letras de Teófilo Otoni-MG, outubro de 2010, número 8, páginas 33,34,35.

 

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