Girassol como era chamada pela maioria do povo, era uma pequena vila de uma rua só e pouco mais de vinte pequenas e humildes casinhas construídas ao estilo pau a pique ou casa de enchimento com barro batido em estacas de bambu. Além das pequenas casinhas, Girassol possuía uma pequena igrejinha de fé situada ao lado de uma pequena pracinha com três solitários bancos de toras de lenha e ao centro um pé de manga espada, fruta muito comum e abundante naquela região.
Mais ao alto, existia um prédio maior construído com tijolos crús chamado de "adobe" e com quatro pequenas salas. Naquele humilde prédio funcionava a única escola do lugar que era mantida pelos poderes públicos. Ali, ainda tinha professora que vinha "no lombo do cavalo" para exercer a nobre missão do ensino e menino tinha muito. Na falta de energia elétrica, televisão e controle de natalidade, as mulheres do lugar eram "boas parideiras", segundo Dona Côca, parteira, conselheira e benzedeira para todo tipo de "muléstia" das pessoas do lugarejo.
Girassol em tempos passados teve movimento maior quando por ali passava um trem de ferro que era conhecido por Bahia-Minas. Muitos moradores, na parada do trem, vendiam saquinhos de manga, biscoito de goma, broa de milho, beiju, "pela de porco", galinha caipira e pinga da roça. Uma certa época o trem foi embora e nunca mais voltou. Meu amigo de juventude, Jaime Gomes, disse-me certa vez que "foi um trem que passou na sua vida" e humildemente acrescento: "nas nossas vidas".
Os meninos de Girassol tinham costume de comer com as mãos. Alguns faziam bolinhos de arroz com feijão que eram chamados de "capitão". Quando eu era menino em Teófilo Otoni, eu também comia muito "capitão" misturado com torresmo de porco. Minha saudosa avó Verônica dizia que "capitão com torresmo" dava muito sustança. Será?
Assim como Girassol, muitos povoados e Vilas praticamente acabaram depois que o trem foi embora e nunca mais voltou. Tem gente que até hoje imagina o apito do trem em seus sonhos ou alucinações tipo a de Nego Tilico que quando toma muita pinga, fica parado próximo á antiga estação e canta aquela música de Raul Seixas: " Oi, oia o trem. Vem chegando por trás das montanhas. Oi, oia o trem..."
Em Girassol, o padre vem de mês em mês montado a cavalo e trás dois jumentos com bolsas de couro vazias. Segundo o Santinho, filiado a um partido comunista e filho de dona dasdô, o padre voltava com aquelas sacolas tão cheias de presentes que os jumentos nem aguentavam o peso até Araçuaí. Padre Coquinho ganhava de tudo a exemplo de abóboras, mandioca, corante urucum, goma da região dos Porfiro, rapadura da região de Ribeirão das Almas, linguiça defumada, choriço, doce de mamão ( tipo tijolo), pimenta malagueta, queijo, requeijão, carne seca(jabá), pinga pura e pinga com raiz. Segundo Santinho de Dasdô, o padre em retribuição abençoava a todos com respingos de água benta e deixava escapulários com santinhos de Nossa Senhora de Aparecida e menino Jesus de Praga. Só, só...resmungava Santinho.
Padre Coquinho, experiente em gente do olho grande e comunista fuxiqueiro, fazia questão de passar perto de Santinho de Dasdô, antes de partir. Segundo Santinho, o padre "passava um rabo de ôlho" tão penetrante como "uma facada no seu coração" e ainda murmurava baixinho no seu "pé do ouvido": "Vá catar coquinho seu catarrento fuxiqueiro". Sim, catarrento. Era assim que eram chamados muitos meninos de Girassol que em grande número tinham a barriga grande e pelo nariz escorriam dois filetes de um catarro meio amarelado.
Seo Juquinha, homem vivido e mais um bocadinho letrado do lugar sempre dizia que aqueles meninos estavam assim devido á falta de "Dotô" para curar a tal da "Shistose". Todos concordavam com seu Juquinha que orgulhosamente ostentava em sua sala um quadro emoldurado do antigo curso ginasial feito por correspondência num conhecido instituto.
Quando terminavam as aulas na humilde escola, ainda que tão distantes do progresso e de uma vida melhor, os meninos desciam o morro na maior alegria. Nem sol, nem frio, nem esquecimento por parte dos poderes públicos faziam com que aqueles sorrisos e encantos da infância humilde no Vale do Jequitinhonha fossem abalados pela esperança em dias melhores. Quem sabe um dia, Girassol e muitas cidades dos Vales do Mucuri e Jequitinhonha não terão Universidades construídas tão rápidas como os campos de futebol para a copa do mundo? Afinal, Seo Juquinha tinha razão: "Num tá fartando jogadô de futibol, tá fartando é Dotô".
Autor:Walter Teófilo Rocha Garrocho(Téo Garrocho)- Texto dedicado á minha amiga Professora Vera Sena, ex. Secretária de Educação de Araçuaí-MG. Em 20/07/2013, Barbacena-MG.
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