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domingo, 13 de outubro de 2013

MORRO DOS VELHACOS EM TEÓFILO OTONI

Não pagava ninguém. Comprava fiado aqui e acolá. Acostumou tanto que já não importava de ser chamado Zé Túlio, o velhaco. Na pia batismal foi registrado José Antúlio, filho de Conceição "parteira" e Olavinho "sapateiro". "Os dedos da mão não são iguais", dizia seo Biba, proprietário da Casa Popular, uma espécie de venda antiga, tipo a do senhor Nestor Medina situada na famosa "Borracha Franca", onde o povo comprava de tudo. Desde um dedal e carreteis de linha para costura, farinha, banha de porco, querosene para lampião, pinga boa pura e com raiz, até lenha rachada para fogão a lenha.
Realmente, os dedos de Zé Túlio não eram iguais aos de seus pais. Enquanto Olavinho sapateiro e Conceição parteira pagavam religiosamente em dia seus credores, Zé Túlio rolava a dívida que chegou ao ponto de cortar caminho por um morro próximo e não passar em frente á venda do seo Biba. Nasceu assim o Morro dos Velhacos na pacata Filadélfia do Nordeste Mineiro, onde, segundo os mais antigos, Zé Túlio teve sua doutrina de enganação perpetuada até mesmo nos políticos locais.
Dona Loló, uma figura ímpar que passava quase o dia todo na janela do seu velho casarão, dizia sempre que " O uso do cachimbo faz a boca torta". "Depois que Zé Túlio passou a enganar todo mundo, isso aqui em Filadélfia virou uma fábrica de corruptos". Até mesmo o Chicão, homem sério que tinha carro de praça na praça dos choferes, dizia meio ressabiado olhando pros cantos que " Zé Túlio inventou uma coisa que cresce igual uma bola de neve. A bola rola há tantos anos que vem crescendo assustadoramente". Caetano, um jornaleiro, dizia que o Zumzumzum sobre Zé Túlio era arrepiante ali pelos lados da Praça Picadentes.
Seo Biba, cansado de esperar pelo pagamento da dívida, resolveu fazer uma tocaia para pegar Zé Túlio e sua turma de seguidores velhacos. Armado com uma foice, ficou de butuca á espera daquela turma de vagabundos que viviam ás custas do suor do povo e viviam na maior mordomia na pacata Filadélfia onde chegavam ao ponto de descansar em redes sociais, digo, redes de dormir. Assim, lá do alto das maracutaias, digo, lá do alto do morro dos velhacos vigiavam quem subia para dar o bote. Eram na verdade, uma quadrilha organizada tendo como chefe supremo Zé Túlio, aquele que tinha os dedos das mãos diferentes dos pais que sempre foram honestos e transparentes.
Em plena sexta feira da paixão e seo Biba ali no meio do mato com aquela baita foice. A noite chegou e seo Biba sentiu frio e medo. Ao olhar para a subida do morro viu que uma procissão subia com muitos seguidores e muitas velas acesas. Seo Biba arrepiou e pensou: " Será que erraram o morro da igreja matriz?". E as vozes iam crescendo em coro: "Crucifica, crucifica, crucifica". Seo Biba só tinha um caminho que era descer o morro. A foice foi agarrada na cacunda e ao chegar perto da procissão, escutou uns gritos: "Pega, pega, pega, com foice na cacunda só pode ser o capeta". Seo Biba correu tanto que a foice ficou e ao chegar ali pelas bandas da Zona boêmia do Chico Sá, sentiu que há muito tempo tinha borrado nas calças.
Três meses depois, Zé Túlio velhaco apareceu na venda do seo Biba e ofereceu uma foice para abater na dívida. Ao despedir, virou para seo Biba e disse: "Olha seo Biba, o único problema dessa foice é que o cabo dela tá todo cagado". Dona Loló, aquela da janela do casarão falou para seo Biba que o cabo pode ser lavado e passado a limpo. A foice continua boa para ser bem usada. Recado de que entende das janelas do mundo.

Autor: Walter Teófilo Rocha Garrocho(Téo Garrocho)- Texto dedicado á minha amiga Janice Tameirão. Ativista política em Teófilo Otoni-MG- Texto escrito em 13/10/2013, Barbacena-MG.

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