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segunda-feira, 7 de outubro de 2013

O HOMEM QUE COMIA PAPEL EM TEÓFILO OTONI

Na pacata Vila São João onde a igreja era conhecida por Santo Antônio, morava um homem que comia papel. Comia tanto papel que no outro dia ao evacuar, as letrinhas se espalhavam pela Vila e arredores. Haviam letrinhas de A, B, C até Z. Assim, o homem que comia papel ficou tão conhecido que sua fama chegou ao centro da cidade, em todo o país e até mesmo fora do país.
Um fazendeiro que morava por perto e que detestava gente que tinha gosto pelas letras, cismou que aquele sujeito era um comunista infiltrado na comunidade e representava, na sua concepção, um perigo pronto para comer criancinhas ou até mesmo trocar o nome da Vila de São João para Vila Stalin ou Vila Fidel Castro, sem falar no extremo da radicalização ao invadir suas terras fazendo a tão sonhada reforma agrária pregada em palanques pelos extremistas, segundo ele, João Goulart e Leonel Brizola.
Montado em seu cavalo alazão, o fazendeiro partiu para o centro da cidade e decidiu enviar um telegrama a um deputado federal do antigo partido da ARENA para relatar os acontecimentos e solicitar o envio de um agente do antigo S.N.I para averiguar a vida daquele comedor de papel. Então, atendendo interesse do fazendeiro, o tal deputado federal que tinha o costume de comer, beber e dormir na fazenda em suas andanças políticas naqueles redutos, enviou um agente para se infiltrar no meio do povo e dar o bote no suposto comunista.
Enquanto isso, alheio ás preocupações do fazendeiro latifundiário, o homem que comia papel continuava fazendo suas fezes em letrinhas. Diziam alguns moradores que muitas crianças com ajuda de uma régua, separavam as letrinhas, formavam palavras e até aprendiam a ler e escrever. O gosto foi tanto pelas letrinhas que até mesmo os adultos que eram completamente analfabetos, aprenderam no mínimo a assinar o nome.
Voltando da cidade e ao passar pela Vila São João em seu cavalo alazão, o fazendeiro que detestava gente com gosto por letras, ficou enfurecido com tanta criança brincando de separar e juntar letrinhas. Mais enfurecido ficou quando avistou o padre Curió no meio do povo. "Este padre Curió tá me cheirando comunista". Não era para menos a preocupação tendo em vista que ultimamente padre Curió antava meio ressabiado e falando muito numa tal de "Teologia da Libertação".
Assim, o fazendeiro, em certa manhã, resolveu procurar o padre para tirar dúvidas e preocupações em relação á sua ideologia e seu temor em perder suas terras para os comunistas que cresciam a olhos vistos na pacata Vila São João. Foi na sacristia e nada, foi na torre da igreja e nada. "Uai, onde se meteu aquele padre comunista? Perguntava para si mesmo alisando o vasto bigode "fura fronha".
Foi ai que escutou um zumzumzum vindo do pequeno quartinho do padre Curió e foi lá para averiguar. Não acreditou no que viu. Sentados os dois, Padre Curió e o homem que comia papel em dois penicos daqueles brancos bem antigos e saboreando jornais de nomes Pasquim, Movimento, Binômio e o famoso Luta Operária.
Desesperado, o tal fazendeiro voltou ao posto dos correios e telegrafou ao deputado perguntando sobre o tal agente do S.N.I que não pareceu. Uma semana depois veio a resposta:" Agente gostou das letrinhas, agente gostou do padre, agente gostou do homem que comia papel, agente gostou das criancinhas que aprendem a ler e escrever, agente gostou dos adultos alfabetizados, agente gostou do povo organizado, agente ficou feliz com tanta cidadania. Assim, agente voltou para um novo tempo no Brasil".
O fazendeiro saiu do posto de correios, montou no cavalo alazão e escutou: " Nós vamos prá onde patrão?". Era o cavalo alazão que havia acabado de comer umas letrinhas.

Autor:Walter Teófilo Rocha Garrocho(Téo Garrocho)- Texto dedicado ao meu primo e grande amigo Fernando Rievers( Fernando Bulé), nascido e criado na Vila São João em Teófilo Otoni-MG. Texto escrito e,m 07/10/2013. Barbacena-MG.

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