Quando ao longe despontou a pedra de Ladainha dentro do trem, o clima era de abatimento coletivo. O glorioso time do Bahia-Minas, imbatível, há quatro campeonatos, voltava derrotado, embora com honra, na primeira partida da grande final do campeonato regional. O Ferroviários de Teófilo Otoni, venceu por 2 x 0. numa partida acirrada, disputada palmo a palmo, salvo a vitória do Ferroviários com a generosidade do juiz, importado a alto preço de Belo Horizonte, e um time misto, na sua maioria por jogadores dos Estudantes F.C. Mesmo assim, haveria a segunda partida no próximo domingo em Ladainha, só que com uma vantagem de dois gols a favor do Ferroviários.
Aproximando-se da estação perceberam que a recepção ,pelo contrário, era hospitaleira e incentivadora, vários torcedores, mais de cinquenta, receberam o time com aplausos e saudações. Aquilo reanimou a equipe, até então abatida. Haveria uma semana de treinamento, concentração e determinação pela frente; dariam o troco, honrando a tradição vitoriosa do Bahia-Minas F.C., confiantes no ataque infalível dos irmãos Vino e Vavá. O Bahia-Minas de Ladainha era o melhor time da região. Houve uma série de irregularidades na partida realizada no campo do adversário, ficou clara a atuação do árbitro importado da capital e anormalidades na súmula, com registros aparentemente forjados de atletas do Estudantes F.C, compondo metade do time. As regras e normas naquela época não eram tão severas como nos dias de hoje. A Liga de Desportos tudo aprovou.
Na segunda-feira, bem cedinho, toda a equipe já se encontrava no belo estádio de Ladainha, onde se realizaria a partida. O técnico, bem disposto e otimista, incentivava o grupo com palavras de ordem técnica e psicológica, o que se fez notar no bom desempenho num jogo treino contra um time misto do Comércio F.C.. e outros bons jogadores da cidade.
Nos dias seguintes, liberados de suas funções em várias atividades no complexo ferroviário, a rapaziada se empenhou com afinco na preparação até o fim do dia da sexta-feira, e entraram em concentração no sábado á tarde, quando o time adversário chegou no último trem, acompanhado por uma numerosa torcida vinda de Teófilo Otoni, cordialmente acolhida pela população e pelo prefeito, que cedeu as instalações de uma escola, colchões e cobertores para abrigá-los. O pequeno e único hotel da cidade, mal deu para abrigar o time e a equipe técnica.
O domingo amanheceu claro e ensolarado; tímidas nuvens pontilhavam no horizonte sem prenúncios de mau tempo.Os times já se encontravam prontos em seus respectivos vestiários para a partida que se iniciaria ás 8 horas. As arquibancadas estavam lotadas, dois terços por torcedores locais e a outra parte pela agitadíssima torcida adversária, muitos ainda sob o efeito da farra que fizeram durante quase a noite toda.
O jogo teve início pontualmente. Nos primeiros 15 minutos a partida transcorreu normalmente, sem lances perigosos que ameaçassem qualquer um dos goleiros. Meio solto na grande área, aproveitando um lance aéreo tocado com categoria pelo volante Luiz Borracha, o atacante Nicanor não teve dificuldade de empurrar a bola no canto desprotegido pelo goleiro deslocado. A torcida do Ferroviários foi á loucura, mas a maioria do estádio permaneceu calado. A partir dai, o jogo esquentou. O Bahia-Minas partiu corajosamente para o ataque . Dez minutos após, empatou o jogo, num lance espetacular do atacante Vavá. A torcida, até então emudecida também reagiu e empurrou o time. O Ferroviários começou a apelar, "baixando o sarrafo", já haviam cometido mais de cinco faltas. Na última delas, o zagueiro Prego entrou de coice no tornozelo de Zé Boréu, cometendo falta quase na linha da grande área. Ary Pé de chumbo, numa bomba direta, atravessou a barreira que foi espalmada nas exageradas mãos de Zé Tarzan; no rebote Bacué cabeceou no ângulo esquerdo e conferiu o segundo gol, já no finalzinho do primeiro tempo. A torcida do Bahia-Minas explodiu com sua charanga animando o intervalo, até o início do segundo tempo.
O jogo recomeçou agitado, o Ferroviários retrancou do ataque violento do Bahia-Minas ,que buscava de qualquer jeito o terceiro gol que lhe daria o título de penta campeão. O time visitante defendia a pontapés, carrinhos e obstruções, não se incomodando com o grande número de faltas e até uma expulsão. O juiz de Araçuaí, embora franzino, atuava com severidade e justiça, desfiando a indisciplina daquele bando de homens nervosos e impacientes pelo final do jogo. Faltavam apenas quatro minutos . Numa escapada segura pela ponta direita, Vino Lança para Vavá, que já bem colocado na cabeça de área, avança sozinho tendo pela frente apenas o goleiro, quando é obstruído brutalmente por Frankstein. O juiz correu ao local e marcou o pênalti. Segurou a bola e manteve a sua decisão irredutível , mesmo diante dos protestos de vários jogadores do Ferroviários e da sua torcida. Zé Tarzan, perdeu a paciência e desferiu um soco de baixo para cima no queixo do pequeno juiz que o atirou a quase dois metros. Ai a confusão estava armada. Querosene se atracou com Zé Tarzan e foram socos e pontapés por todos os lados. O jogo foi interrompido.O juiz foi levado para o posto médico inconsciente. A confusão dentro de campo generalizou-se e ameaçava alastrar-se ainda mais, quando parte das duas torcidas começou a invadir o campo. A pequena guarnição policial , responsável pela segurança na cidade, não conseguindo conter o "quebra pau", sacou suas armas e começou a atirar tiros para cima ; a multidão entrou em polvorosa e dispersou aos gritos em correria. Acalmado o distúrbio, conseguiram separar alguns jogadores que continuavam se debatendo aos socos e empurrões. Naquele dia, as três enfermeiras e o único médico que atendiam no pequeno posto tiveram que trabalhar até anoitecer, cuidando de muitos feridos no confronto. A liga de Desportos reuniu-se ainda naquela noite, dando ganho de causa ao Bahia-Minas, que sagrou-se penta campeão regional de futebol.
Autor: Jaime Gomes, meu amigo de infância e juventude, nascido em Ladainha-MG e criado no Antigo Barro Branco de Teófilo Otoni.. Escritor e Poeta de Teófilo Otoni no Vale do Mucuri em MG, Texto transcrito do Livro "UM TREM PASSOU EM MINHA VIDA", do referido autor ás páginas 86,87,88. Livro editado pelo autor na Gráfica Expresso Ltda de Teófilo Otoni-MG em 2006.
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