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terça-feira, 13 de março de 2012

Ao menino poeta Aloísio Lula de Teófilo Otoni

Os urubus iam chegando de mansinho. Pousavam nas árvores e ali ficavam esperando. Segundo lenda do lugar, deveriam esperar o urubu rei devorar os olhos do boi morto. Em seguida poderiam devorar a carniça. também os cachorros se preparavam para disputar palmo a palmo um pedaço do boi morto. A meninada em festa preparava os estilingues e pelotas feitas de barro para a guerra contra os urubus. Pela forma de afagarem os cachorros, seria menino e cachorro contra os urubus.

Aloísio Lula, um menino descalço, parrudo e poeta, comandava a meninada da favela do" Pela jegue" que ficava ali pelo alto do Bairro Manoel Pimenta, que, antigamente era conhecido por veneta. Pelo outro lado, outro menino poeta chamado Jaime Gomes, nascido em ladainha(MG) e criado no Barro branco em Teófilo Otoni, atiçava os urubus a atacarem primeiro. No meio do fogo cruzado, Zé Alfredo Brandão, menino da Vila Isabel do Veneta, observava. Magro, quase pele e osso, Zé Brandão queria mesmo era ver sangue correndo e se possível de todos os envolvidos naquela guerrilha urbana dos filhos dos excluídos.

Estrategicamente escondido pelo lado do "Curral das éguas" que ficava próximo á Rua do" Arrasta Couro", o menino Jaime Gomes se preparava para soltar uma caixa de foguetes, comprada segundo ele, com árduo trabalho de pegar frete na feirinha. Fato confirmado pelo senhor Pedro Carneiro, antigo comerciante que tinha uma casa de comércio chamada Casa Primor situada nas imediações da beira da linha onde passavam os trens da antiga estrada de ferro Bahia-Minas.

A noticia da possível guerrilha urbana dos filhos dos excluídos se espalhou pelos quatro cantos da cidade de Teófilo Otoni e chegou aos ouvidos de Noca e Lourival Pechir. Este, muito ocupado com a direção da Rádio Teófilo Otoni, encarregou seu irmão Noca Pechir para cobrir jornalisticamente o possível entrevero. Temeroso de retaliações por parte dos mais exaltados moradores, coisa comum naquela região, Noca Pechir pede ajuda e o apoio de Tim Garrocho e tambem á prostituta Lora, ferrenhos defensores daquela turma de excluídos do contexto da sociedade da cidade do amor fraterno.

A prostituta Lora que tinha como lema "aberta a tudo e para todos", propõe um diálogo entre as partes conflitantes. Diálogo esse que seria realizado lá na Vila do Cocá Pelado que ficava logo após a antiga e folclórica favela do "Subaco fedendo". O diálogo seria realizado na alfaiataria do tranquilo alfaiate Cola. Proposta aceita por todos e lá seguiram Aloísio Lula, Tim Garrocho, Noca Pechir, Prostituta Lora, Jaime Gomes e Zé Brandão.

Ao passarem perto do Cemitério Municipal, foram observados por João Gabriel da Costa (Seo Nô) que era chefe do cemitério e chefe dos coveiros. Seo Nô, que já havia sido vereador e delegado "calça curta" de Teófilo Otoni, sentiu "nos ares" cheiro de defunto naquela movimentação. Experiente nas funções exercidas de Chefe dos coveiros e delegado "calça curta", seo Nô resolveu acompanhar o cortejo. Decisão essa que fez uma multidão de meninos da favela do Subaco fedendo aderirem ao movimento gritando em coro: "Ó o rolo seu Nô. Ó o rolo seu Nô".

Chegando ao Cocá Pelado, a multidão foi recebida pelo tranquilo alfaiate Cola que cedeu sua modesta alfaiataria para o debate público, transmitido ao vivo pela Rádio Teófilo Otoni através do corajoso radialista Noca Pechir. Antes de iniciar os trabalhos radiofônicos, Noca se benzeu e beijou três vezes um escapulário do menino Jesus de Praga que lhe foi doado por dona Chiquinha Otoni, beata fervorosa da igreja católica.

A todo momento, Tim Garrocho, acostumado a confrontos, alisava o cabo do inseparável revolver trinta e oito. Zé Brandão faltava pouco para desmaiar de tão fraco que estava. Aloísio Lula e Jaime Gomes iniciam o debate coordenado pela prostituta Lora que antes passou na venda de seo Biba Barreiros e tomou uma cachaça da marca Marialva. Mansamente e ouvindo tudo, o alfaiate Cola costurava uma calça de tergal encomendada pelo professor Arnaldo Pinto Gomes(Bagana) que também era jogador de futebol pelo América de Teófilo Otoni.

No auge da polêmica, um fato novo transformou o debate. Era o folclórico morador Jorge "sem bronca" que chegou falando sem parar o seu velho e conhecido jargão:"Sem bronca", "Sem bronca". Também o Jorge já havia tomado uma cachaça Marialva na venda do seo Biba. Aliviado, seu Nô retira do paletó o inseparável lenço branco e enxuga o suor do rosto. Tim Garrocho guarda o revolver trinta e oito. Os meninos se abraçam e esquecem a guerrilha. Pacientemente o alfaiate Cola termina a calça de tergal do professor Arnaldo Pinto.

No país de credo livre, Dona Maria José Leite que tinha um centro espírita próximo ao campo de futebol do antigo e aguerrido São Benedito Futebol Clube, passa pela rua e dá "passe" benzendo a todos no exato momento em que um fusquinha cor de abacate para em frente á alfaiataria do Cola. Era o professor Arnaldo Pinto que tinha vindo buscar sua calça de tergal, pois, viajaria com Caruê, Catitú e Maron Mattar para conhecerem o estádio do Mineirão em Belo Horizonte. Dizem as más línguas que foi nesta viajem que Caruê se perdeu em Belo Horizonte e ao chegar no Mineirão, perguntou ao porteiro se Catitú havia entrado ali.

Voltando á guerrilha dos meninos, o Gaitan, proprietário de banca de jornais e revistas na Praça Tiradentes e preocupadíssimo com o aumento da violência em Teófilo Otoni, não confirma, mas, escutou um "Zumzumzum" que aquele boi foi enterrado a pedido do saudoso deputado federal Aécio Cunha. O deputado ,ciente dos acontecimentos relatados pelo professor Arnaldo Pinto e o assessor parlamentar Marom Mattar, telegrafou áquela época ao então prefeito Tote Barbosa e fez um apelo no sentido de enterrar o boi. Muito solícito, o prefeito Tote Barbosa atendeu ao Deputado Aécio Cunha e anda contou com a ajuda do zeloso vereador Chico Tatu.
Numa certa noite de muita estrela no céu e de muita saudade, os meninos da Vila Barreiros, os meninos da Vila Verônica, os meninos do Barro Branco ,os meninos do Veneta, os meninos das antigas favelas do Subaco fedendo, do Boiadeiro, do Pela Jegue, os meninos dos Vales do Mucuri e do Jequitinhonha, juntos com os meninos poetas Jaime Gomes e Zé Brandão subiram até o alto do morro do Quenta Sol e soltaram a caixa de foguetes. Lá em cima, acima de todas as favelas miseráveis desta pátria Brasil, acima de todas as misérias humanas, ao lado das estrelas e pertinho de Deus(o arquiteto do universo), o menino poeta Aloíso Lula sorria.



Autor: Walter Teófilo Rocha Garrocho(Téo Garrocho)- Texto dedicado ao meu saudoso amigo de infância e juventude, o poeta Aloíso (Lula) Ribeiro, do Vale do Mucuri. 13/03/2012

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