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sábado, 31 de março de 2012

EU QUERO MORRER...



Quando tirei férias, estive em Teófilo Otoni e visitei vários amigos. Entre um abraço aqui e um aperto de mão dali, tive a grata surpresa de rever minha antiga amiga e companheira velha de guerra contra a ditadura militar, a prostituta Lora, que, sempre irreverente, abraçou-me com força dizendo que nunca esqueceu das lutas em prol da liberdade da pátria.
Senti, naquele momento, que Lora já tinha tomado algumas cachaças devido ao cheiro exalado fortemente em minhas narinas. Ela me dizia que tinha algo a me falar e tomamos o caminho para a Praça Tiradentes em busca de um solitário banco de praça para que tanto ela, como eu, lembrasse nossas fraquezas, nossas angústias, nossos sonhos...
Então, Lora disse-me: " Olha Téo, estou pensando na possibilidade de morrer. Tanto faz dormindo, bêbada, câncer de pulmão ou laringe(como Lula), aneurisma, pneumonia, tuberculose,etc...etc..., o que importa é morrer e pronto. Quero dar trabalho para enterrar a matéria e quero dar trabalho na chegada ao paraíso ou ao inferno,
Quero, meu amigo Téo, passagem direta, nada de paradas em esferas X ou Y, quero passagem sem muita burocracia espiritual. Tem que ser sim, sim, não, não, nada de baldeação, nada de jeitinho de vou rever sua trajetória terrestre. Ou é céu ou é inferno.
Quero dar trabalho para enterrar a matéria. Correria, cartório, dinheiro para caixão, lenço para lágrimas, aviso fúnebre nas rádios, serviço para coveiros, compra de roupas fúnebres, despesas com flores, velas e sem contar que a caminho do cemitério mais trabalho para o trânsito e transeuntes se benzendo, orações, reflexões e o eterno "vai com Deus".
No meu velório vou dar trabalho para mim mesma escutando a todo momento que fui uma boa mulher, honesta e trabalhadora. Era uma vadia, mas tinha bom coração, Deus tenha misericórdia da alma dela, uma grande mulher, uma guerreira, vai fazer falta e etc...etc...
Quero, meu amigo Téo, revesamento naqueles que vão pegar na alça do meu caixão. Nas alças do fundo quero dois mentirosos e enganadores do povo que podem ser políticos. Nas alças do meio quero dois que dizem pregar a palavra de Deus e são tão mentirosos quantos os políticos. Nas alças da frente quero meu pai e minha mãe, para que quando eu chegar no céu ou no inferno, lembrar que eles me deram o dom de viver nesta porcaria de mundo terrestre e nunca, nunca me pediram nada a não ser amá-los e respeitá-los.
Após tanto trabalho, amigo Téo, gostaria que alguém da minha família ou você mesmo meu velho companheiro de lutas sociais, gostaria que fizessem uma placa com os seguintes dizeres para colocar na minha sepultura: "aqui descansa em paz uma mulher que tinha pavor de ditadura, torturador, relâmpago, trovão, vento forte, temporal, eletricidade e botijão de gás".
Para encerrar, meu companheiro Téo, não esqueçam de fechar o portão do cemitério. Vou dar trabalho no céu ou no inferno. Os santos e os capetas, se é que existem, me aguardem".
Depois deste longo desabafo num banco solitário da praça Tiradentes, eu e Lora fomos tomar uma cerveja gelada para relembrar os velhos tempos de luta contra a ditadura militar.


Autor: Walter Teófilo Rocha Garrocho(Téo Garrocho)- Texto dedicado a Angelina, uma inteligência rara que conheci em Ipatinga na década de 1970- Barbacena, em 31 de março de 2012( Data da vergonha nacional brasileira)

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