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sábado, 3 de agosto de 2013

CARTA DE LORA, A PROSTITUTA POLITIZADA DE TEÓFILO OTONI

Há muito tempo que não recebia noticias de Lora. Até cheguei a pensar que a mesma havia falecido. Ela deve estar com sessenta anos. Penso que Lora ainda continua lúcida tendo em vista que seus escritos e lembranças do passado continuam vivos em seus pensamentos. Lora questiona o meu isolamento de alguns movimentos sociais e diz que estou fazendo falta. Segundo ela, eu tinha um carisma muito grande junto ás massas populares e de uma hora para outra larguei tudo, ou seja, arriei a bandeira da justiça social. Estou tentando uma resposta para Lora, vou dar tempo ao tempo. O sagrado diz que "tudo na vida tem um tempo" e assim, vou andando com fé.
Na carta, Lora diz: " Téo, sinto saudade de quando morava na roça. Sinto saudade do tempo em que subia nos pés de goiaba e ficava ali pensando mil e uma coisas. Eu comia goiaba com bicho e tudo. Hoje descobri que aquele bicho não me fazia mal. O bicho que me faz mal é o mundo em que vivo. Se eu ficar, o bicho come, se correr o bicho pega. Na roça eu tinha o dia com sol radiante e as noites estreladas igual pipoca na panela. Aqui, nunca mais olhei para as estrelas que na minha imaginação parecem ter viajado para outros corações menos sofrido que o meu. Toda vez que eu fico sentada na soleira do meu barraco, dá uma saudade danada dos banhos de rio que passava no fundo da roça. Eu ficava tremendo e as minhas mãos tão pequenas e inocentes pareciam estar rezando. Hoje, minhas mãos tremem devido ao alcoolismo e nem rezando elas param de tremer".
Analisando o início da carta, lembrei que muitos rios secaram ou secam na região do Vale do Jequitinhonha e aquela seca constatante e falta de água sempre foi uma eterna "bandeira" dos políticos que só vão ali de quatro em quatro anos e "prometem" acabar com a sequidão, "prometem" poços, barragens, etc. etc. Continuando a carta, Lora diz mais: " Téo, eu penso que o pobre só será feliz quando morrer. Tem uns religiosos que falam para mim que se eu aceitar Jesus, serei salva e vou ter morada no céu quando partir deste mundo. O que não entendo, Téo, é que desde menininha eu amo Jesus e nunca tive a riqueza que tem os religiosos que comandam certas igrejas. Eu gosto de ir em velório de pobre. Para mim o velório do pobre é menos rápido ao contrário do rico que é enterrado em caixão luxuoso e depois fica quase todo mundo da família brigando pela herança do defunto. No velório do pobre não tem muita tristeza. As pessoas falam para entregar a Deus o caminho do defunto e pronto. Todos se cumprimentam, contam piadas, falam bem do defunto e da família que serve cachaça e comida para o povo
Continuando, Lora diz que fica feliz quando morre um pobre na favela em que mora. "assim, acaba o sofrimento daquele que nunca teve assistência médica dos poderes públicos. Acaba o sofrimento da família para enfrentar fila de madrugada para pegar ficha do SUS, acaba o sofrimento de ter que pedir ajuda para comprar os remédios e acaba o sofrimento também de pedir ajuda para enterrar o falecido. "Pagamos para nascer e pagamos pra morrer", escreve Lora em letras garrafais.
Segundo Lora, " quando ela vê um pobre chorar, as lágrimas parecem pérolas caríssimas que eles nunca possuíram ou sonharam em possuir. Assim, segundo Lora, "as pérolas das lágrimas dos pobres são levadas pelo espírito até Deus. Lora diz que há muitos anos não chora e compara seus olhos secos como os rios do Vale do Jequitinhonha.
Em certo trecho da carta, Lora pergunta se tenho frequentado igrejas e diz : " Olha Téo, aqui todo domingo ainda tem missa na igrejinha, mas eu não vou mais. Até um certo tempo eu ia. Depois fui entendendo um pouco das coisas do mundo e parei de ir. Quando eu era mais nova e vendia o meu corpo, as minhas roupas eram melhores, cheirava bem usando perfumes caros e quando entrava na igreja sentia olhos invejosos sobre mim. Tinha muito homem que não sabia se rezava ou olhava para mim, inclusive o padre. Mas, o tempo passou, as rugas chegaram, as pernas afinaram e o perfume caro deu lugar ao bafo da cachaça. Foi ai que comecei a sentar no último banco da igreja e ...sozinha. Então pensei que não valia a pena voltar e dar satisfação ao mundo da minha fé. Descobri, lendo o livro sagrado, que " quando quiser falar com Deus, entra em teu quarto e ora com fé. Deus haverá de escutar, com certeza suas orações". Assim, diz Lora, tive mais alegria com Deus e os "anjos de luz". Tive mais paz e serenidade nas orações solitárias.
Finalizando sua carta, Lora pergunta se lembro do Élbio Pechir, o radialista dos humildes em Teófilo Otoni. Segundo Lora, o Élbio continua simples e ajudando muito pobre na cidade, inclusive ela. Lora diz que liga o rádio todos os dias pela manhã no Programa do Élbio na Rádio Téofilo Otoni. Ela diz que quem escuta rádio fica muito inteligente. Segundo Lora, sua avó dizia que todo alfaiate, sapateiro, cozinheira, barbeiro,, taxistas e outros motoristas são pessoas muito inteligentes devido serem bem informados através do Rádio, "desde que não sejam tendenciosos politicamente e socialmente", reitera Lora com sua sabedoria ímpar.
Pensando bem, vou responder a carta da minha amada dos anos 70. Afinal, ela continua tocando na minha alma tão carente, como a dela. Vou, numa noite de muitas estrelas, tentar lembrar dela que falava  para mim na década de 70: " Não pare Téo. Mas, se parar, olhe para o céu e você verá que as estrelas brilham. Enquanto elas brilharem haverá esperança na vida. Pense em mim, em Deus, e olhe de vez em quando as estrelas".


Autor: Walter Teófilo Rocha Garrocho(Téo Garrocho)- Texto dedicado ao meu bondoso e justo amigo Élbio Pechir da Rádio Teófilo Otoni-MG- Élbio Pechir, o Radialista dos Humildes. Em 03/08/2013, Barbacena-MG.

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