Realizei o sonho. Não meu e sim da minha família. Há muito tempo vinha pensando no assunto, tendo em vista que vez ou outra escutava sons de línguas malignas e afiadas balangando nos meus ouvidos em questionamento ao meu velho carrinho dos anos 70. Confesso que sempre fui um passageiro da utopia em relação a sonhos e para dispor do meu velho carro foi uma verdadeira guerra íntima emocional entre mim e a tão decantada razão. Meu velho carro ajudou-me muito nos meus trabalhos, passeios com a família e meus bons amigos que são meu cachorro Bob Marly ( isto mesmo) e minha gata Doçura.
Este fato de troca de carro parece ter abalado a mim e aos meus bichos. Venho observando que meu velho cachorro Bob tem andado pelo cantos da minha modesta moradia e até mesmo a gatinha Doçura tem compartilhado da melancolia do Bob Marly, tendo em vista que seu miado ficou meio rouco de uns tempos para cá. Pode ser que os dois, Bob e Doçura estejam chorando ás escondidas.
Tanto Bob como Doçura já haviam acostumado com o carro velho em que fizeram memoráveis passeios, inclusive passeios pela praia de Jacaraípe no estado do Espírito Santo. Assim, sabendo dos acontecimentos em família, minha sábia mulher Maria, mais conhecida por Dadá, diz para mim: "Olha preto, "o uso do cachimbo faz a boca torta" e "esses bichos ficaram assim depois que você comprou carro novo e aposentou o velho".
Verdade ou não, resolvi pedir conselhos á minha boa amiga e psicóloga Doutora Grazieli Batista Cardoso que cuida da alma da pessoa, inclusive da minha. É possível que ela também entenda a depressão dos meus bichos a quem dedico um carinho muito grande. Penso que quando eles sofrem, eu também sofro com eles.
Retirei o carro novo da garagem e levei junto comigo o cachorro Bob e a gata Doçura. Até o caminho ao consultório da Doutora Grazieli, não escutei ou vi nenhuma reação dos bichos tão alegres quando passeavam no carro velho. Os dois ali deitados, emburrados e sem dizer uma palavra, aliás um latido ou miado.
Dirigindo e matutando comigo mesmo, cheguei à conclusão que meus bichos não gostaram, assim como eu, do meu carro novo. Na realidade, pessoalmente penso que nem tudo que é bonito ou luxuoso trás felicidade. Pode ser que os animais tenham também este "pensamento", ou não?. Assim, ao chegar no consultório, os bichos nem a pau sairão do carro. Fui recebido muito bem pela Doutora que convidou-me a deitar num confortável sofá para abrir minha mente sobre as coisas da minha vida.
Fiquei ali deitado e contando uma porção de histórias até chegar na questão do carro velho, do carro novo, dos meus bichos e ela, a doutora, só ali anotando numa cadernetinha. Após um tempo, a Doutora perguntou se na minha infância eu já tive carrinhos de brinquedo. Doideira ou não da Doutora, respondi que eu tive uma patinete velha feita de madeira com volante de madeira que era minha paixão. E, num certo dia alguém roubou minha patinete. Como eu andava muito triste, meus pais compraram uma bicicleta nova para mim. Mas, tudo em vão. A tristeza não passava, a bicicleta nova não trazia alegria e nem me fazia esquecer da minha velha patinete de madeira.
Assim, Doutora Grazieli pediu que eu "acordasse" e aconselhou-me a deixar o carro novo com meus filhos e continuar saindo com meu carro velho. Segundo ela, eu não levo jeito para coisas muitos luxuosas na minha imaginação. Pensando bem, acho que minha praia é mesmo um feijãozinho com arroz e uma galinha caipira com angu e quiabo. Então, na volta para minha modesta moradia, olhei para meu cachorro Bob e minha gata Doçura que dormiam a sono solto, diferente daqueles cachorros magrelos e peludos nas janelas de carros luxuosos das madames e magnatas da vida e pensei: Vou fazer o que gosto e que me trás felicidade.
Encostei o carro novo. Liguei o carro velho. meu coração bateu forte. Mais forte ainda quando meu cachorro Bob Marly e minha gata doçura adentraram na maior alegria no seu interior. Antes de sair, minha esposa Maria, a Dadá disse: "Num falei preto, o uso do cachimbo faz a boca torta". Verdade ou não, amanhã vou deitar no sofá da psicóloga e dizer que estou mais feliz e sentindo muita saudade da minha patinete velha de madeira. Será que a Doutora vai entender???
Autor: Walter Teófilo Rocha Garrocho(Téo Garrocho)- Texto dedicado ao meu amigo Dr. Walcir Costa, um grande amigo e médico Psiquiatra em Teófilo Otoni-MG. Texto escrito em Barbacena-MG aos 17/01/2014.
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