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quinta-feira, 25 de novembro de 2010

A DITADURA MILITAR ACABOU COMIGO



Ando meditabundo. Muitos conflitos mentais.Tenho impressão que estou na boca de um vulcão em erupção. O dia e a noite são iguais na confusão dos meus desencontros. Não sei mais o que é sono, o que é sonho, o que é acordar, o que e viver...
Se vivo, morro. Se morro, vivo. Meu corpo não ajuda. As pernas tremem, as mãos tremem, os olhos tremem, os lábios tremem. A mente, se é que ainda existe mente, também treme. A mente teme tudo e todos. A minha mente é muito devagar como um pequenino raio de sol que ainda persiste em penetrar no meu solitário labirinto de dúvidas...
Grito. Um grito que ninguem escuta. Minha boca sem dentes esboça um triste sorriso. Um sorriso horrível para o mundo que criei para mim ou criaram para mim e milhares de torturados. Volto a gritar...peço perdão pela desgraças que criaram para mim. Esta tortura não era o sonho da minha vida.


Autor: Walter Teófilo Rocha Garrocho(Téo Garrocho). Autor do livro Retalhos da Tortura, filho do ex. Preso político Tim Garrocho. Texto dedicado a todos os ex. perseguidos, presos, torturados e mortos pela ditadura militar no Brasil pós 1964.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

DEMOREI A ACREDITAR

Pois é, o tempo passa rápido...Cheguei à terceira idade. Como? Desconfiança meu amigo, mineiro é desconfiado, não joga prosa à toa. O bom mineiro observa os movimentos do cotidiano e silenciosamente tira conclusões. Eu, por exemplo, já tirei as minhas e assumi de vez, ou seja, sai do armário! Sou um neófito da terceira idade. Como descobri? Detalhes, gentilezas, presentinhos diferentes, elogios, entre outras coisas. Alguns exemplos? Cessão de lugar nos ônibus coletivos, senhor daqui, senhor dali, solidão nos bancos de praças, ajuda para carregar pacotes e bolsas, prioridade nas filas, presentinhos como bonés, filtro solar, chaveiros, agasalhos, toucas de lã, pijamas e mais aquelas perguntas:"O senhor sente muito frio, seo Téo? Este meião com emblema do Botafogo é muito quente, espero que o senhor faça um bom proveito".
Descobri também que ando repetindo um mesmo acontecimento. Outro dia, em um domingo, fui contar um caso para a minha família e meus três filhos com apoio da minha mulher disseram em coro: "Cê já contou na hora do almoço!". E assim assumi de vez a tão implacável terceira idade.
Mas, vamos conversar baixinho e te faço uma pergunta: É ruim? Tenho certeza que não. Hoje, sinto-me com uma vontade "meio louca" de viver cada minuto da minha vida. Hoje, paro para admirar a natureza com seu verde, suas flores, suas serras. Hoje, cuido do meu jardim, planto árvores, jogo lixo no lixo, economizo água, amo os animais, os pássaros e sempre tenho um sorriso para o meu próximo. Correr? Só nas caminhadas e exercícios físicos que não deixo de praticar. Agora, aquela correria desvairada da juventude recheada de utopias, nunca mais. Quero sombra, água fresca e burro amarrado.
Falando em burro, outro dia meu filho mais novo, disse que estou igual burro velho. Ou seja, esquecendo de tudo. Meu Deus, será que esqueci de falar sobre a terceira idade?


Autor: Walter Teófilo Rocha Garrocho.(Téo Garrocho)- Texto publicado na Revista Café-com-Letras da Academia de Letras de Teófilo Otoni-MG, página 27, ano 8, número 08- Outubro de 2010.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

AS FAVELAS DOS DESGRAÇADOS

Sempre ouço falar sobre favelas. Tudo leva a crer que morar em favela é morar no inferno. "entrai, eis aqui o inferno(Dante). Através de imagens que visualizo pelos meios de comunicação, observo que as favelas da cidade do Rio de janeiro são diferentes das favelas da cidade de São Paulo.
Digo isso sem me aprofundar nos imensos problemas sociais que devem ser os mesmos. Mas, as favelas da cidade de São Paulo são um verdadeiro retrato de miséria absoluta. Ultimamente, um fato vem acontecendo sistematicamente na cidade de SãoPaulo. São inúmeras favelas atingidas por incêndios. O que intriga e deixa-me desconfiado é que quase todas as favelas incendiadas ficam próximas do centro ou perto de bairros e condomínios de luxo. Alguma coisa deve estar acontecendo para aumentar a desgraça daqueles que já vivem um vida de desgraçado.
Na cidade do Rio de Janeiro, as favelas "parecem" mais bonitas. As moradias são melhores, antenas parabólicas, acessso á Internet, rádios comunitárias, associações de moradores. O povo demonstra ser um pouco mais feliz e aguns até dizem que ali só tem problemas quando " o território é invadido".
Fui criado e passei grande parte da minha infância e juventude ao lado de duas favelas em Teófilo Otoni. As favelas do Subaco Fedendo e Cata-Quiabo que me encantavam. Ali também tinha problemas sociais áquela época. Ainda assim eu escutava o povo dizer que "era feliz vivendo ali".
Vez ou outra na época da ditadura militar, aparecia um tropa impondo terror, esbofeteando e dando chute nos trabalhadores e trabalhadoras que ali viviam. Coisa de ditadores e torturadores nojentos. Nunca mais...
Tirando essa página obscura da história, o Subaco Fedendo virou a progressista Vila Progresso e o Cata-Quiabo virou Bairro Alto do Cemitério.


Autor: Walter Teófilo Rocha Garrocho(Téo Garrocho). Texto escrito em 08/11/2010, Barbacena-MG e dedicado aos meus amigos de infância e juventude nascidos na favela do Subaco Fedendo: Dr. Paulo Chaves(Psiquiatra) e José Carlos Reichardt(Fiscal de tributos).

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

ANTONIO ''COICE DE MULA''

Brigava com Deus e o mundo. Vivia pelos cantos embalado em pensamentos desencontrados. Os roceiros diziam que não era certo da cabeça. A mãe, protetora como sempre, defendia o filho Antonio de julgamentos precipitados.
Nasceu Antônio na região do Tamandua, Vale do Jequitinhonha. Médico e padre são raros naquela região. Missa, em algumas regiões, só de ano em ano e olha lá. Assim, Zefa de Olinto, ainda não tinha batizado o filho Antônio então com 17 anos e já sonhando em ir para o corte de cana lá pelas bandas de Limeira no Estado de São Paulo.
Zefa de Olinto, beata devota da virgem Maria, achava que após o batismo santo, Antonio seria abençoado e feliz. Pagão e incerto da cabeça só nas lembranças das línguas afiadas de " quem não tem nada para fazer" naquela região tão esquecida pelos poderes públicos.
Dois meses antes, através da Rádio Aparecida e do Blog do Banu na internet, recordistas de audiência e visualização naquela região, avisaram aos fieis de Tamandua que no dia da festa de nossa senhora do carmo, haveria missa e batismo. Todos os católicos conforme os preceitos da igreja, deveriam estar aptos para receber o sacramento do batismo.
Afinal, chegou o grande dia tão esperado. Rojão e bombas estouravam saudando a chegada do padre que demonstrava cansaço e batina suja de poeira. Havia um ano que não caia um gota de chuva na região do Tamandua.
Desconfiado e amendrontado, Antonio, vestido com calça curta e meias brancas até os joelhos, aguardava sua vez para receber o sacramento. Ao seu lado a zelosa mãe Zefa, o pai Turíbio e os padrinhos Rufino e Maria Amélia, fazendeiros do lugar.
O povo pode aumentar, mas quando falava que Antonio não era certo da cabeça, não havia mentira. Foi que de tanto esperar sua vez com aquela vela enorme acesa e pingando quente nas suas mãos que o maluco Antonio surtou de vez. Partiu para cima do padre e cravou um potente chute na bunda magra do reverendo que gemeu fundo.
Deseperada, a mãe Zefa, pede perdão para o filho. Os padrinhos amparam o padre. O povo...ah! o povo. Mexer com a igreja é mexer com o povo. Pobre Antonio, estava num mato sem cachorro. Parecia político quando cria polêmica com igreja. Exemplos recentes não faltam...
Antonio, na situação que criou, só o padre poderia salvá-lo e salvou com uma frase que Antonio iria carregar para o resto da vida: "Isso não foi um chute, foi um coice de mula". E o povo da igreja, acostumado a um grito de guerra parecido, cantavam numa só voz: " Olê, olê, olê, olá, mula, mula..."


Autor: Walter Teófilo Rocha Garrocho(Téo Garrocho)- Texto escrito em 04/11/2010 em Barbacena-MG. Texto dedicado aos meus amigos humildes e trabalhadores de Araçuai: Tião Seleiro e José Maria Ornelas.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

AO PÉ DO OUVIDO

Ele logo cedinho falou no pé do meu ouvido: "Estamos no outono com temperatura média de vinte graus. Pode ser que em alguns dias chova".
Fiquei imaginando o outono. Mas logo depois ele interrompeu as minhas divagações me atualizando com as notícias do dia.
Depois entendendo o meu cansaço ele começa a falar baixinho, então eu aguço os ouvidos e percebo uma música como uma canção de ninar...
"Ah, se o mundo inteiro me quisesse ouvir, tenho muito prá contar, dizer o que aprendi". Adormeço!
Depois de algum tempo que parece uma eternidade, sou acordado por uma voz rouca que recita uma poesia de protesto que bate bem nas minhas recordações.
Começo a lembrar das vezes em que nós meninos, ficávamos escondidos em baixo de camas e mesas, porque "da tal" ditadura militar onde os militares de "botina e capacete" causavam terror.
E a voz rouca ao pé do meu ouvido diz: "há soldados armados, amados ou não. Quase todos perdidos de armas na mão. Nos quarteis lhes ensinam uma antiga lição. De morrer pela pátria e viver sem razão"...
Saio destas divagações quando a voz diz: "do jeito que a vida quer, é deste jeito"...
Dou um sorriso e desligo o rádio. Vou à luta.
Afinal, é mais um dia que começa.


Autor: Aloisio "Lula" Ribeiro.( Escritor e poeta do Vale do Mucuri-Teofilo Otoni-MG) Texto do livro Visões e paixões do autor, página 42. Livro editado em Junho de 2006, Gráfica Frota(Teofilo Otoni-MG). NOTA: O autor faleceu precocemente em Teófilo Otoni no ano de 2009.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

DEPOIMENTOS DE LORA, UMA PROSTITUTA POLITIZADA

"Aqui na favela tudo é sagrado. Cada beco e ruela é sagrado para quem mora aqui no morro. Aqui nós temos alegria de sentar no meio das ruelas e bater papo com os amigos. Cada pedacinho desta terra é nosso e nós temos ciúme de quem tenta invadir este espaço se não for chamado ou convidado."

" Todo dia eu bebo. Gosto mesmo é de cachaça. Bebo porque me dá prazer e fico mais alegre. Eu bebo e meus olhos ficam brilhando como estrelas solitárias. Eu gosto de olhar para as estrelas. São lindas, principalmente quando bebo. As estrelas se multiplicam. Em vez de uma, vejo duas, vejo quatro e assim vai em frente a minha doideira de imaginação."

"Eu conheci um sujeito que queria ser político. No fundo mesmo ele queria era o salário de vereador. Ele vinha muito aqui no meu barraco. Era um pão duro daqueles. Saciava seu apetite sexual e pedia abatimento no preço que eu cobrava. Quando era dia de comício, ele trocava uma nota de vinte reais em vinte de um real para comprar o voto pagando uma cachaça para o povo menos esclarecido. Aqui no meu barraco, ele sorria do povo quando me contava isso"

"Sempre recebi muitos políticos no meu quarto. Principalmente quando eu era jovem e bonita. Hoje estou um caco, um mulambo em pessoa. Naquela época conheci um Ex vereador que ficava em cima do palanque para escolher uma daquelas jovens mulheres, como eu, para transar com ele naquela noite. Ele fez várias vezes comigo. Depois, o tempo passou e ele perdeu o mandato e a pose. Nunca mais foi eleito. Acho que gente dessa espécie só aprende quando perde o tal de poder e cai no esquecimento do povo."

"Acho engraçado a sociedade brasileira e as leis. A cachaça é droga e é vendida legalmente. Mata milhares de jovens, pais de família e é vendida livremente. Todo fim de semana você encontra muita gente caida pelas ruas e dentro dos lares destruidos sob o efeito do álcool. Eu prefiro ser sincera e assumo meu vício. O rico ou o filho do rico quando bebe ou usa outro tipo de droga, eles dizem que tomou um pequeno porre ou fumou para relaxar. Eu e muitos que somos pobres somos chamados de cachaceiros e drogados da vida. É a força do dinheiro e do poder que faz a diferença."



Autor: Walter Teófilo Rocha Garrocho(Téo Garrocho)- Depoimentos de Lora, a prostituta politizada dos Vales do Mucuri e Jequitinhonha. Texto escrito em 01/11/2010